domingo, 30 de maio de 2010

Carlos Drummond de Andrade / Antologia Poética / José


E agora José?
A festa acabou,
A luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, José?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...

Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

Ilustração: Autocaricatura

Concepção de capa: Pedro Augusto Graña Drummond
Projeto gráfico: Regina Ferraz

Editora Record Ltda.

Pedidos pelo reembolso postal:
Cx. Postal 23,052
Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Imagem: Farol - Macaé - RJ - Brasil


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terça-feira, 25 de maio de 2010



Salmo de Salomão


"72. Ó Deus, dá ao rei a tua justiça, e a tua retidão ao filho do rei.
Ele julgará o teu povo com retidão, e os teus pobres com justiça.
Os montes trarão prosperidade ao povo, e os outeiros o fruto da retidão.
Defenderá os aflitos do povo. Salvará os filhos do necessitado, e quebrantará o opressor.
Ele permanecerá enquanto durar o sol e a lua, de geração em geração.
Ele será como a chuva sobre a erva ceifada, como os aguaceiros que umedecem a terra.
Nos seus dias florescerá o justo; abundância de paz haverá enquanto durar a lua.
Dominará de mar a mar, e desde o Rio até as extremidades da terra.
Aqueles que habitam no deserto se inclinarão ante ele, e os seus inimigos lamberão o pó.
Os reis de Társis e das ilhas trarão tributo; os reis de Sabá e de Seba oferecerão presentes.
Todos os reis se prostarão perante ele, e todas as nações o servirão.
Pois ele livrará ao necessitado que clamar, como também ao aflito e ao que não tem quem o ajude.
Compadecer-se-á do pobre e do aflito, e salvará as almas dos necessitados.
Libertará as suas almas do engano e da violência, pois precioso é o seu sangue aos olhos dele.
Tenha ele longa vida! E se lhe dê do ouro de Sabá. Continuamente se faça por ele oração, e todos os dias o bendigam.
Haja abundância de cereal na terra; ondule sobre os cumes dos montes. Como o Líbano, floresça o seu fruto; floresça como a erva do campo.
Permaneça o seu nome eternamente; que ele continue enquanto o sol durar. Todas as nações serão abençoadas nele, e lhe chamarão bem-aventurado.
Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, o único que faz maravilhas.
Bendito para sempre seja o seu glorioso nome; encha-se toda a terra da sua glória.
Amém e amém."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Sem título





Um tempo de espaço mínimo: grandes autores tão bem souberam fazer tais projeções futuristas. Por sorte tive acesso a leitura de Monteiro Lobato, em "A Chave do Tamanho" que já antecipava à infância, literalmente desprevenida, tal possibilidade. A história em si, só relendo, mas imaginar a possibilidade de um mundo mínimo era levar a imaginação a grandes espaços a conquistar. Não tenho idéia ainda onde este texto desembocará, falha minha por trabalhar somente onde a intuição possa levar o teclado, isto é, o toque dos dedos nas letras do teclado a formar palavras que finalmente se constituirão em frases e poderão formar idéias. Idéias, feito brainstorm. Brainstorm é palavra chique, importante mesmo, pois é exatamente o que pratico neste momento. É você deixar o texto correr solto, sem julgamento, para que as idéias venham surgindo. Quem sabe se no turbilhão de palavras que a mente libera geralmente em momentos que você não tem um bloco de notas ao lado para registrar alguma poderá ser reciclada e surja um texto consideravelmente interessante (lógico que já noto que este texto não está rendendo muito). Mas geralmente é assim, quanto mais sistematizamos os pensamentos, menos criativos eles se tornarão. Você inicia falando em Monteiro Lobato, infância e a mente te conduz a palavra Brainstorm que já te limita. Te leva a pensar grande e toda a possibilidade das pequenas grandes idéias fluirem já foram perdidas. Fluir, palavra interessante, que leva a novas possibilidades. Rima com intuir. Intuir tem sido uma palavra que tento fugido dela a anos. Viver intuitivamente tem seus ganhos e perdas. Ruim quando você vislumbra as perdas e intui corretamente, hehe. Volto depois, quem sabe já tenha me libertado da palavra 'intuir'. Falando em intuir, consigo imaginar Lobato, o Monteiro, um ser em total intuição quando de suas criações (consegui, me vi livre do Brainstorn, e já retorno a Lobato).

Tópico pessoal (sem + idéias no momento)

sábado, 8 de maio de 2010

Alice Viveiros de Castro / AVC/ O Elogio da Bobagem

"Esse nosso personagem imaginário sobreviveu a todas as catástrofes naturais, inclusive às construídas pelos homens. Esteve presente nas batalhas, nas festas e nos rituais mais engraçados, sempre cumprindo o mesmo papel: provocar o riso."



Alice Viveiros de Castro / AVC
O Elogio da Bobagem - palhaços no Brasil
e no mundo / Alice Viveiros de Castro - Rio de Janeiro:
Editora Família Bastos, 2005

"O Homem é o único animal que ri." - disse Aristóteles. Mas por quê? (...) Rimos porque é bom e isso basta.É isto!

Provando que ninguém está mesmo livre de AVC, "O Elogio da Bobagem" pode se tornar o melhor livro de cabeceira. Belíssimo! Especialmente para quem gosta de listas. Segue pequena lista de palhaços incríveis, começado pelos "Grandes Palhaços do Brasil", pois a palhaçada é grande:

Polydoro;
Alcebíades Pereira;
Benjamin de Oliveira;
Eduardo das Neves;
Pompílio;
Juan Cardona e os Stuart Teresa, a família de Oscarito;
Chicharrão e todos os Queirolo;
Piolin;
Pedro Gonçalves - Dudu, o palhaço empresário;
Arrelia;
Carequinha - Tá certo ou não tá?
Picolino I e II;

O livro relata que o palhaço profissional ganhou fama pelo fato dos ricos e poderosos ostentarem o seu palhaço exclusivo, o mais antigo profissional do mundo que acabaram por ter na comicidade uma profissão, "Uma das mais antigas profissões'.

Assim, palhaços do Egito, China, Índia, Grécia, Roma tem destaque especial logo nos primeiros capítulos do 'Elogio da Bobagem', não esquecendo 'O Santo Palhaço' Genésio, que no meio a palhaçada, se comove e declara para todos sua fé na doutrina do Cristo, sendo ungido com óleo. Não é à toa que é o padroeiro dos atores, palhaços, advogados, epiléticos e vítimas de torturas. Um Palhaço Santo, digo, um Santo Palhaço!

Extenso capítulo é dedicado para 'Os Bobos da Corte', onde são apresentada belas imagens dos bobos:

"Durante a Idade Média, onde houvesse um senhor, um poderoso, fosse ele um conde, barão, bispo, abade, príncipe ou rei, haveria um bobo. Uma corte que se prezasse deveria ter pelo menos um bobo para divertir o senhor e seus convidados."

No mundo em que as futuras profissões estão em construção, este feliz sobrevivente não diria ter seu lugar garantido na arte do riso, apesar de ter sido praticamente um dos primeiros profissionais reconhecido como um trabalha
dor.

Está difícil de encontrar a palhaçada em rede. Creio que foram todos ao "circonteúdo" (*). The "Family Circus" em todo lugar.

(até o próximo espetáculo!)



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sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Folha e o Vento / Carla Guedes


"Vi no silêncio
Brotar
A razão da palavra
Existir

Num mergulho
Interior
Ouço
A voz

E o eco ressoa
Aqui
Dentro do meu
Peito

É a luz que aprendi
A enxergar
A mesma luz que posso
Refletir

Minha candeia
Ao mundo
Estendo
E sinto
O vento

Não seja a folha
Que vai com o tempo
E quando madura
Apenas cai

Não seja a folha
Seja o vento
Seja instrumento
Para um mundo de paz."


Letra e música: Carla Guedes - Alvorada dos Anjos




COMEERJ 2010 - Polo XIX - Galiléia

Ser feliz é ter a certeza de que tudo prossegue, de que a vida segue pulsando, ininterruptamente... Graças a Deus!

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terça-feira, 9 de março de 2010

Clarice Lispector / A Hora da Estrela

"Grito puro e sem pedir esmola. Sei que há moças que vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a ninguém. Aliás - descubro eu agora - também eu não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas."

Clarice Lispector; A Hora da Estrela - Rocco

Não sinto vontade de falar de Macabéa. Não por não querer adentrar nesta história tão simples, mas essencialmente profunda por se tratar de alma feminina. Talvez não estejamos preparados para encarar Macabéa face a face. O próprio autor criador de Macabéa gastou boas letras na iniciação, prevenção de que Macabéa poderia ter vida. Quanto mais ele adiou este encontro mais Macabéa se fez presente. Alertou sobre Macabéa, isto bem o fez. Macabéa revira a alma, gera sensações contraditórias. Não que Macabéa queira se fazer presente. Macabéa não sabe de sua existência assim como um avatar. Quanto mais Macabéa ganha vida, maior sua possibilidade de morte. Macabéa gera sentimentos contraditórios em quem a lê. Macabeá inspira sentimentos adormecidos e um deles pode ser a raiva. Sentir raiva da indiferença de Macabéa pode ser o início de seu fim. Sob este ponto de vista a morte de Macabéa pode ter sido um alívio. Ainda não li o livro todo. Construí seu perfil sob a maravilhosa voz que contém o CD que acompanha o livro "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector. Tem voz feminina no CD, pequena introdução assim, para não passar em branco, Maria Beta-
nia, mas não tão importante quanto a narrativa masculina, por certo, que faz todo o percurso de Macabéa com firmeza de tom. Resolvi terminar a resenha de Macabéa sem ler o livro. Se pelo menos os livros tivessem uma página em branco entremeando as escritas quem sabe Macabéa teria 50% de chance de felicidade. Esperança de que seria mudada a história a revelia da vontade do autor. Quanto a minha escrita seria fatalmente atraída pela máquina de escrever. Ali tem o início da história de Macabéa que procurou um destino diferente através daquela máquina. Consigo imaginá-la antiga, teclas aredondadas, macia. Consigo imaginar Macabéa em devaneio, quase boquiaberta a admirar a máquina, perceber o carro leve a diferenciar de suas pesadas mãos. Uma quase alegria, parecendo o brinquedo que não tivera na infância. Sobe, desce, desliza, o carro da máquina a fazer um leve som. Datilografar se tornara prazeroso. A escolha dos espaços, tudo medido, observado. O tocar dos dedos nas teclas macias, o afundar das letras dando forma, marcando presença no branco papel. Macabéa sempre tivera curiosidade pelas letras, se interessava por seu significado. Eram possibilidades que surgiam. Turbilhões de palavras poderiam surgir. Era um mundo interior externado através daquela simples máquina.

"A verdade é sempre um contato interior e inexplicável. A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique."
(A Hora da Estrela - Clarice Lispector)

Faltavam palavras a Macabéa, um amigo dissera certa vez e tinha razão. Macabéa não saberia expressar em palavras o turbilhão interior que a preenchia. "Deus é o mundo.", afirma Clarice. Quem sou eu para discordar. Quem é Macabéa para compreender.

"Como a nordestina, há milhares de moças espalhadas por cortiços, vagas de cama num quarto, atrás de balcões trabalhando até a estafa. Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiriam como não existiriam. Poucas se queixam e ao que eu saiba nenhuma reclama por não saber a quem. Esse quem será que existe?"
(A Hora da Estrela - Clarice Lispector)

Há algum tempo comecei uma postagem sobre um livro de Hermann Hesse, "O Lobo da Estepe", que aguarda conclusão. Olho para Macabéa e algum aspecto de "Demian" se faz presente. Hermann Hesse que muito lembra Clarice. Talvez seja o contrário. Clarice moldou Macabéa com algum barro de "Demian".

"As palavras engenhosas não têm qualquer valor, absolutamente nenhum. Só conseguem afastar-nos de nós mesmos. E afastar-se de si mesmo é um pecado. É preciso que se saiba encerrar-se em si mesmo, como a tartaruga."
(Hermann Hesse - Demian)

"Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos livros: começo a ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim. Não é agradável a minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas; sabe a insensatez e a confusão, a loucura e sonho, como a vida de todos os homens que já não querem mais mentir a si mesmos."
(Hermann Hesse - Demian)

"Essa moça não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava. Quem sabe, achava que havia uma gloriazinha em viver. Ela pensava que a pessoa é obrigada a ser feliz. Então era. Antes de nascer ela era uma idéia? Antes de nascer ela era morta? E depois de nascer ela ia morrer? Mas que fina talhada de melancia."
(A Hora da Estrela - Clarice Lispector)

"Há poucos fatos a narrar e eu mesmo não sei ainda o que estou denunciando.
Agora (explosão) em rapidíssimos traços desenharei a vida pregressa da moça até o momento do espelho do banheiro."

(A Hora da Estrela - Clarice Lispector)

Resolvi encerrar por hora. Poderia escrever sobre Macabéa por longas horas. Talvez pela capacidade de ir criando personagens que possam ter convivido com Macabéa. Não digo adeus a Macabéa. Um até breve. Macabéa vive em cada moça que nada pediu da vida além de vencer o fim de cada dia sem grandes preocupações: recortar notícias em jornais, uma simples refeição. Macabéa conseguiu manter-se íntegra em sua simplicidade. Feliz em acreditar no próximo até o minuto final, sorrir em meio ao desespero. Até breve!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

As Crônicas de Nárnia / A viagem do Peregrino da Alvorada





"O que viram naquele momento é difícil de acreditar, mesmo nos livros; mas é muito mais difícil de acreditar quando acontece na vida real. Tudo no quadro estava em movimento. Não era como no cinema, não; as cores eram muito mais reais e vivas, como ao ar livre. A proa do navio afundava e tornava a subir nas ondas com uma grande franja de espuma. Quando uma onda ergueu o navio atrás, viu-se pela primeira vez a popoa e o convés, que desapareceram logo no bojo da onda seguinte. Neste mesmo instante, um caderno, que estava caído sobre a cama de Edmundo, começou a virar as folhas e foi levado pelo ar, batendo na parede; o cabelo de Lúcia enrolou-se em torno do rosto, como num dia de vento. Era um dia de vento, mas o vento soprava do quadro. De súbito, com o vento, vieram os barulhos... o marulhar das ondas, o bater da água de encontro ao costado do navio e, mais alto que tudo, o estrépito do vento e da água. Foi o cheiro (agreste, salgado) que convenceu Lúcia de que ela não estava sonhando."


Embalando sonhos juvenis (incluída nesta), ao ler o trecho acima, nota-se que a vida é uma grande viagem. O universo se faz em imenso mar onde suavemente se veleja. Pode ocorrer tempestade ao seguir o curso. Normal para quem deseja se aventurar por novas descobertas. A vida, tão somente eterna peregrinação.

Definitivamente, não há como escapar deste livro. Ficará de geração a geração. Livro para ser lido, relido, só, em roda sob o luar (nem precisa se deslocar para a serra ou praia). Use e abuse. Quanto mais, melhor. Mas cuidado, os efeitos colaterais logo surgirão. Não é à toa que o autor alertou:


"Uns meninos que brincavam de Nárnia
Foram ficando cada vez mais birutas..."



Quem se arrisca?
Melhor:"Quem não se arrisca, não petisca."

Lewis, C. S., 1898-1963
As crônicas de Nárnia / C. S. Lewis; ilustrações de Pauline Baynes; tradução Paulo Mendes Campos e Silêda Steuernagel; revisão da tradução Silvana Vieira. - São Paulo - Martins Fontes, 2005.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Homero / Ilíada / Odisséia


Homero/Ilíada/Odisséia...
"Triste destino Zeus grande nos deu, para nos celebrem,
nas gerações porvindouras, os cantos excelsos dos vates."

(Ilíada, VI, v. 357-8)

Para concluir algumas resenhas em tópicos anteriores, necessidade se faz de novas leituras. Dificuldade que surge não pelo desafio de interpretar um livro, expressar um ponto que embora inadequado, é apenas um ponto. Poderá ser um ponto visto facilmente, entretanto poderá alguns caros leitores ter suas dificuldades de encontrá-lo sob o mesmo olhar. Mas quem se dispõe a adentrar no mundo das letras certo que encontrará muitos pontos a serem descobertos e outros que estarão eternamente invisível aos olhos de quem o procura, mesmo sob olhar atento. Pensando nestas questões, dividir com o caro leitor que por ventura aqui passe ao acaso, que esta semana, particularmente é uma semana especial. Especial não por ter ocorrido algo assim de especial nesta data, ou que ainda venha a ocorrer. Especial por ser uma semana comum, como tantas outras, em que se acorda, trabalha, vive. Uma semana comum e especial. Por ser semana de feriado talvez nem representasse bem as demais, mas exatamente esta se fez especial. E aqui me permiti ficar diante de um livro especial. Talvez leve uma vida para interpretá-lo mas sempre há que haver o primeiro passo, melhor, a primeira página a ser lida. A coleção Homero é composta por dois livros: Ilíada e Odisséia. Ilíada, em poesia, Odisséia em romance. Apesar de me apaixonar pelo gênero poesia, sinto que o romance é sempre um bom início. Foi então que surgiu esta necessidade de leitura. Como entender de literatura sem adentrar na leitura primitiva, universal.

"Nessa paragem se encontra a cidade dos homens cimerios,
que se acham sempre envolvidos por nuvens e brumas espessas;
nunca foi dado alcançá-los os raios do sol resplendente,
nem ao subir, ao vingar ele a estrada do céu estrelado,
nem quando baixa de novo, na volta do céu para a terra.
Noite nociva se estende sem pausa por sobre esses míseros.

(Odisséia, Canto XI, 14-19).

A história de Odisséia é por certo mais comum do que se imagina. Compreender sua trajetória é compreender a de tantos homens que, peregrinos, construiram suas histórias de vida. Talvez este tópico não se conclua, pois que sem ler Odisséia, como compreender José, Helena, Luiz, Maria, João, ... Antes que comprender o outro, melhor compreender a si mesmo. Um desafio de vida (ou seria 'em vida'...).



"Conhece-te a ti mesmo"

Homero/Ilíada - Ilíada / Homero; (tradução Carlos Alberto Nunes) 2. ed. - São Paulo : Ediouro, 2009.

Imagem: Lígia Guedes - RJ- Brasil


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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

V. Woolf - Contos completos



Linda, delicada, nobre. Quem tem medo de Woolf? Para os que acreditam que ler V. Woolf é adentrar no campo conflituoso da sensibilidade aguçada, fica a dica: segure na mão direita um livro de Virginia Woolf e já com a esquerda um livro de Graciliano Ramos que nós todos lemos. Abra ao acaso um parágrafo do livro da direita, leia, e a seguir, um do livro da esquerda. O efeito, testado, pode ficar um pouco estranho (os temas podem não ser o mesmo mas sempre casam, independente disto), mas no fim fica tudo muito bom, tipo goiabada com queijo. O importante é testar novos olhares. Vejamos:

"Quem foi que gritou: 'Não na casa?', perguntou mrs. Gage.
'O danado do bicho!', disse com irritação mrs. Ford, apontando para um grande papagaio cinza. 'Ele quase me deixa louca com esses gritos. Fica ali que nem estátua, montado o dia inteiro em seu poleiro, e sempre faz essa barulheira, berrando 'Não na casa', cada vez que alguém chega perto.' era uma ave muito bonita, como pôde ver mrs. Gage; mas com a plumagem em deplorável estado de abandono. 'Talvez ele esteja triste ou, quem sabe, com fome', disse ela. Mas mrs. Ford garantiu que era pura pirraça daquele papagaio de marujo que aprendera a falar lá no Oriente. Contudo, acrescentou, mr. Joseph gostava muito dele; pôs-lhe o nome de James e, segundo se dizia, conversava com o bicho como se fosse um ser racional. rs. Ford foi logo embora. E mrs. Gage, de imediato, foi buscar em seu bau um pouco de açúcar que trouxera consigo e ofereceu ao papagaio, dizendo-lhe em tom muito bondozo que não lhe faria mal, que era a irmã de seu velho dono, vinda para tomar posse da casa, e que cuidaria de tudo para torná-lo tão feliz quanto podia ser uma ave. Pegando um lampião, a seguir ela rodou pela casa, para ver que tal a propriedade que o irmão lhe deixara. Sua decepção foi amarga. Os tapetes estavam todos furados. Nas cadeiras, faltava o fundo. Ratos corriam por cima da lareira e grandes cogumelos cresciam pelo chão da cozinha. Não havia sequer um móvel que pudesse valer alguma coisa; e mrs. Gage só se sentia consoladada porque pensava nas três mil libras bem guardadas e em ordem no banco em Lewes."

(WOOLF, V., pág. 229 - contos completos - A viúva e o papagaio: uma história verídica)

"Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os osso do amigo, e não guardava lembranças disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andando a procurar raízes, à toa: o resto de farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na catinga. Sinha Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificar-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra."
(RAMOS, Graciliano, pág. 12 - Vidas Secas)

Com sorte, encontrou a história de dois papagaios...
Os textos de V. Woolf são marcados pelo compasso da natureza, quando as estações ainda eram bem definidas. Virginia escreve com a profundidade de quem procura água em um poço fundo.

"Chegando mais perto do poço, os juncos eram afastados para poder se ver mais fundo, através dos reflexos, através das faces, através das vozes, até o fundo em si mesmo. Mas lá, por baixo do homem que estivera na Exposição; da moça que se afogara; do rapaz que vira o peixe; e da voz que exclamava ai, ai de mim! Sempre havia todavia algo mais. Sempre outra face, outra voz. Um pensamento vinha e cobria outro. Pois, embora haja momentos em que uma concha se mostra a ponto de suspender todos nós à luz do dia, com nossos pensamentos e anseios e indagações e confissões e desilusões, de algum modo a concha deixa alguma coisa escapar e uma vez mais nós escorremos de volta pela beira do poço. E uma vez mais todos seu centro é coberto pelo reflexo do cartaz que anuncia a venda da Fazenda e Moinho Romford. É por isso talvez que gostamos de nos sentar para contemplar os poços."
(WOOLF, V., pág. 325 - contos completos - O fascínio do poço)

Destaque positivo para os contos:

O misterioso caso de miss V. (pág. 31) -"No interior teria havido o açougueiro ou o carteiro ou a mulher do pastor; mas numa cidade altamente civilizada as amabilidades da vida humana se estreitam no menor espaço possível.O açougueiro larga sua carne pela área; e o carteiro enfia sua carta na caixa, sendo sabido que a mulher do pastor já atirou as missivas pastorais pela mesma brecha tão cômoda: todos eles repetem que não têm tempo a perder. Assim, ainda que não se coma a carne, que as cartas fiquem por ler e que os comentários pastorais sejam desobedecidos, ninguém se torna mais sensato; até que chega um dia em que esses funcionários tacitamente concluem que o número 16 ou 23 não precisa mais de atendimento. Em suas rotinas eles então passam ao largo, e a pobre miss J. ou miss V. fica fora dessa malha fechada da vida humana; e é deixada por todos e para sempre ao largo."
O conta relata a condição humana, de andar em meio a muitos, em um mundo socialmente preenchido, sem entretanto a tentativa de aprofundar o outro. Fala de distância humana, solidão. Já naquele tempo vivenciado pela autora, a percepção dos relacionamentos, desconfianças, onde as facilidades do viver vão congelando as percepções humanas. Um ponto interessante sobre percepção é focado no conto alertando que a percepção, o sentir sem ver, intuir o outro é um processo mais natural do que possamos imaginar.

No pomar (pág. 206) - "Miranda dormia no pomar, deitada numa espreguiçadeira sob o pé de maçã. Seu livro tinha caído na grama e seu dedo ainda parecia apontar para a frase 'Ce pays est vraiment un des coins du monde ou le rire des filles éclate le mieux...', como se justamente aí ela houvesse começado a dormir. As opalas em seu dedo camiavam de cor ao faiscar, ora em verde, ora em rosa, ora ainda em laranja, à medida que o sol vinha cobri-las, filtrado pelas macieiras. Depois, quando a brisa soprou, como uma flor presa na haste seu vestido roxo ondulou; dobrou-se a grama; e a borboleta branca, bem por cima do seu rosto, veio esboaçando a esmo."
Um conto delicioso. Pudéssemos nos permitir a sutileza de nos deixar ficar...

Um conto que não agradou, que ficará como futura releitura:

O lugar da aguada (pág. 427) - "Porém à noite o aspecto da cidade é de todo etéreo. Há um brilho branco no horizonte. Há brincos de argolas e diademas nas ruas. A cidade submerge. E nas mimosas lanternas decorativas somente sobressai seu esqueleto."

Leitura para a vida. Doi um pouco, mas faz parte do viver. É isto!

-> Primeiros contos
[Phyllis e Rosamond], O mistérioso caso de miss V., [O diário de mistress Joan Martyn], [Um diálogo no monte Pentélico], Memórias de uma romancista

-> 1917 - 1921
A marca na parede, Kew Gardens, Noite de festa, Objetos sólidos, Condolência, Um romance não escrito, Casa assombrada, Uma sociedade, Segunda ou terça, O quarteto de cordas, Azul e verde

-> 1923 - 1925
Uma escola de mulheres vista de fora, No pomar, Mrs. Dalloway em Bond Street, A cortina da babá Lugton, A viúva e o papagaio: uma história verídica, O vestido novo,
Felicidade, Antepassados, A apresentação, Juntos e à parte, O homem que amava sua espécie, Uma simples melodia, Uma recapitulação

-> 1926 - 1941
Momentos de ser: "pinos de telha não têm pontas", A dama no espelho: reflexo e reflexão, , O fascínio do poço, Três quadros, Cenas da vida de um oficial da Marinha britânica, Miss Pryme, Ode escrita parcialmente em prosa, ao ver o nome de Cutbush na
fachada de um açougue em PENTONVILLE, [Retratos], Tio Vanya, A duquesa e o joalheiro, A caçada, Lappin e Lapinova, O holofote, Cigana, a vira-lata, O legado,
O símbolo, O lugar da aguada

-> Notas
-> Sugestões de leitura

Woolf, Virginia [1882-1941]
Contos completos; Virginia Woolf
Título original: The complete shorter fiction of Virginia Woolf
Tradução: Leonardo Fróes
Fixação de texto e notas: Susan Dick
São Paulo: Cosac Naify, 2005
472 pp. 2 ils.

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Denise Paraná - A História de Lula O Filho do Brasil



"A história de Lula o filho do Brasil", Denise Paraná, é baseado no belo trabalho realizado através de pesquisas biográficas em São Paulo e no sertão de Pernambuco, e na tese de doutorado em Ciências Humanas, entitulada "Da cultura da pobreza à cultura da transformação - A história de Luiz Inácio Lula da Silva e sua família". Belo trabalho de pesquisa, tão somente. Como livro que se propôs a ser contado em forma 'quase romanceada', poderia ter sido mais bem elaborado, considerando que a autora tinha a faca e o queijo na mão, isto é, riquíssimo material de pesquisa sobre a vida de Lula e sua família, que é relatada até o ano de 1980. Faltou profundidade se considerado a energia que Lula possui e por consequência, sua trajetória de vida. O livro relata a história de um brasileiro simples, como a maior parte do povo Brasileiro, onde vencer o dia-a-dia através do trabalho talvez fosse a grande vitória da trajetória de vida. Como a vivência deste brasileiro foi construída no compasso da história do país, é fato marcante a história deste grande homem, Lula, atual presidente de nosso país, que venceu as dificuldades que a vida apresentou não com esmorecimento. Lula bem soube vivenciar os momentos que a vida apresentou, avançar ou 'não avançar' como parte do caminhar. Saber ser paciente, uma vitória, pois nem sempre as surpresas do caminho são flores somente. Erguer-se diante da tristeza, sorrir para levar ânimo onde o fio de esperança transparente se faz, isto aprendeu com a força da origem simples, junto a natureza, na infância, no nordeste deste país. É uma história de vida linda, por certo. A narrativa da pesquisadora tem um tom acima do necessário quando fala da vida simples do povo, retratado na vida do Lula. Ser pobre não é sinônimo de ser infeliz, que fique aqui registrado. A beleza da vida está no exterior, refletido do interior. Não gostei do tom que se fez ao patriarca da família de Lula, ou seja, o pai de Lula. O problema do alcoolismo não é retratado com a ênfase e seriedade necessárias. Problema social num país em que o pobre é o bêbado problemático, inconveniente, muito longe das bebidas finas servidas em ambientes fechados. O pai de Lula foi um homem ausente, por certo, mas foi no valor do trabalho que ele tanto pregou aos filhos, embora não o soubesse como, que ficou marcada a trajetória do filho do Brasil, Lula; não tão somente captado através da presença amiga da mãe de Lula. Por sinal, uma mulher lindíssima, com um belo sorriso mostrando que a vida é alegre, independente de bens materiais, pois antes que tudo, o amor conduz a nobre patamares de vivência. Soube perdoar até a quem a magoara, por conhecer que somos todas vítimas sociais e reconhecer na mãe do filho de seu marido também um ser humano falho. O livro não perdoa este ponto, tratando, infelizmente, a doença ,por vezes, como um 'castigo' imputado as pessoas. Triste, pois que seríamos todos doentes? O que de certa forma não deixa de ser verdade, sendo a terra o hospital geral. O amor ao próximo, certamente, Lula aprendeu das lições de vida da mãe. Tom desnecessário enfatizado no livro se fez quanto ao ato de procriar. Na forma como se apresenta o livro parece tudo muito desprazeroso, com a mulher com o triste papel de apenas aceitar tudo, como se não fizesse parte de sua história, que por certo é difícil, sofrida, mas o que é a vida se não momentos de prazer, dor, felicidade. Por sinal, parir também é um ato muito interessante (eu tive 4 partos normais). A mulher do interior pode e é feliz na difícil vida que leva pois não pede muito, não gasta muitos recursos da natureza, o que também é um lado extremamente importante neste mundo de carências. Só para complementar esta questão de filho do Brasil, digo que não é feio não. O filho do Brasil pode ser lindíssimo. Pobre, batalhador e lindo. Falando em lindo, linda foto de Lula e um sobrinho, quando jovem. As crianças pobres do interior do país, apesar da vida difícil podem ser felizes, tanto ou quanto mais que aquelas criadas com todo conforto nas cidades, mas que desconhecem o contacto com a natureza que lhe proporciona olhar acima e adiante. O tom dado as crianças pode ser um alerta para a situação que o país apresenta para as questões do interior, entretanto, este foi um pouco exagerado. Outro ponto a ser reforçado é a presença da esposa de Lula, D. Marisa em sua trajetória política, que por certo foi além do que apresentado. Guerreira, batalhou junto, ajudou Lula a ser quem é e como toda mulher, acaba por ficar apagada em cena (não me refiro ao filme, ainda). Tem um tópico entitulado 'Mulheres e Política' que não ficou bem esclarecido. Não há em nenhum momento, no texto referente a este tópico um nome sequer de mulher. Seria exatamente esse o objetivo da autora, deixar esta pegadinha para o leitor, fica aqui a reflexão. Outra curiosidade (vi a foto no livro): a soma dos números da matrícula na prisão é o número 13. Ponto positivo para o livro por conta do relato quanto a questão dos registros de nascimento em cartório no Brasil que acaba por ocasionar inconsistências quando de preenchimento (nome, sobrenome). A título de exemplo, meu pai, por engano, quando do registro de nascimento foi omitido o 'Silva' no registro da certidão de nascimento, o que ocasionou menos uma família 'Silva' no Brasil (pelo menos registrada). Não é fácil para um simples trabalhador analisar este livro pois o mesmo entrecruza com a história de tantas vidas. Vidas que constroem este país com o suor das mãos e a certeza de que poderiam, podem e poderão muito e muito mais. Confesso que não acabei de ler o livro. Apenas li algumas partes e vi certamente as belas fotos familiares que o compõem.




A história de Lula: o filho do Brasil/Denise Paraná. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

Macaé Minha Terra Querida / Antônio Alvarez Parada



Imagem digital: Gladstone Peixoto - Macaé - RJ - Brasil

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Flávio Moreira da Costa / Os Melhores Contos



Enquanto a boa prosa não inicia (ou seriam boas idéias), melhor buscar outros caminhos... são apenas 791+557+582 páginas a percorrer. Afinal de contas, quem conta um conto...







I - Os Melhores contos brasileiros de todos os tempos/organizador Flávio Moreira da Costa; apresentação de Fábio Lucas. - Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2009;

O difícil de toda seleção é a restrição. Reunir os melhores contistas em um único espaço não é tarefa fácil. Imaginem os ruídos pertinentes com tanta prosa. Sem contar os mais tímidos que acabam por naturalmente se excluir da boa conversa. Vou contar-te nos meus contos, Flávio Moreira da Costa. Não por uma questão de restrição de espaço físico, que por certo é grande nestes tempos modernos, mas pelo prazer de reunir celebridades como: Barbosa Rodrigues, Mário de Andrade; Lindolfo Gomes; Rodriguo M. F. de Andrade; Reginaldo Prandi; Francisco Inácio Peixoto; Álvares de Azevedo; Ribeiro Couto; Bernardo Guimarães; Graciliano Ramos; Casimiro de Abreu; Jorge Amado; França Jr., Érico Veríssimo; Machado de Assis; Rachel de Queiroz; Domingos Olympio; Dyonélio Machado; Inglês de Sousa; Telmo Vergara; Lúcio de Mendonça; Dias da Costa; Alberto de Oliveira; Aníbal Machado; José Veríssimo; João Alphonsus; Arthur Azevedo; Marques Rebelo; Raul Pompeia; Lúcio Cardoso; Aluísio Azevedo; Carlos Drummond de Andrade; Domício da Gama; Herberto Salles; Xavier Marques; Bernardo Élis; Júlia Lopes de Almeida; Moreira Campos, Afonso Arinos, Rubem Braga, Coelho Neto, Joel Silveira, João Simões Lopes Neto, José Cândido de Carvalho; Vicente de Carvalho; Murilo Rubião; Alcides Maya; Clarice Lispector; Darcy Azambuja;
Breno Accioly; Cyro Martins; Lygia Fagundes Telles; Magalhães de Azeredo; Dalton Trevisan; Lima Barreto; Autran Dourado; João do Rio; Guimarães Rosa; Monteiro Lobato; Rubem Fonseca; Godofredo Rangel; Moacyr Scliar, Adelino Magalhães; Victor Giudice; Antônio de Alcântara Machado; Sergio Faraco.



II - Os melhores contos da América Latina / organizador Flávio Moreira da Costa. - Rio de Janeiro: Editora Agir, 2008;


A história do conto é mais natural do que parece. Ganhou fama de primo importante da crônica e o coitado do conto só queria prosear. O conto já existia antes do conto (período Colonial - esta é uma prosa contada), depois o conto nasce e cresce, aparece e amadurece (Século XX) e resplandece (já era tempo! Séculos XX e XXI). Felizmente, o conto continua. Imagina, este trabalho todo tem mesmo é que ser preservado. Não precisa de muito espaço. Em caso de emergência, lógico que você não vai salvar toda a biblioteca (se um dia possuir uma). Mantenha a calma, pegue o livrinho, ou coloque embaixo do braço e... pronto! Você acaba de salvar a prosa de oitenta obras de ficção com toda a diversidade que se fez possível: Popol Vuh, Inca Garcilaso de la Vega, Gaspar de Villarroel, José Bernardo Couto, Juan Rodriguez Freyle, Ricardo Palma, Esteban Echeverría, Pedro José Morillas, José Maria Roa Bárcena, Juan Montalvo, Rubén Dario, Manuel Gutiérrez Nájera, Amado Nervo,Eduardo Acevedo Diaz, José López Portillo y Rojas, Federico Gana, Rafael Delgado, Darío Herrera, Roberto J. Payró, Manuel Díaz Rodriguez, Cayetano Colly y Toste, Affonso Hernández Catá, Machado de Assis, Eduardo Wilde, Baldomero Lillo, Inglês de Sousa, Artur Azevedo, César Vallejo, Lima Barreto, Tomás Carrasquilla, Clemente Palma, Ricardo Jaimes Freyre, Ricardo Guiraldes, Abraham Valdelomar, Leopoldo Lugones, Monteiro Lobato, Affonso Reyes, Lino Novás Calvo, Horacio Quiroga, Antônio de Alcântara Machado, Manuel Rojas, Felisberto Hernández, Mário de Andrade, José Revueltas, João Alphonsus, Maria Luisa Bombal, Aníbal Machado, Mario Benedetti, Murilo Rubião, Juan Rulfo, Jorge Luis Borges, Augusto Roa Bastos, Lygia Fagunde Telles, Adolfo Bioy Casares, Clarice Lispector, Julio Cortázar, Juan Carlos Onetti, Julio Ramón Ribeyro, Gabriel Garcia Márquez, Mário Arregui, Rosario Castellanos, Dalton Trevisan, José Donoso, Guilhermo Cabrera Infante, Rubem Fonseca, José Emílio Pacheco, João Ubaldo Ribeiro, Rodolfo Walsh, Sérgio Faraco, Ricardo Piglia, Ednodio Quintero, Cristina Peri Rossi, Roberto Bolano. Salva estará a América Latina!


III - Os melhores contos que a história escreveu / organizador Flávio Moreira da Costa (seleção, organização e notas), com a colaboração com Celina Portocarrero; traduções exclusivas de Adriana Lisboa, Celina Portocarrero, Léo Schlafman, Luís Carlos Cabral e Maria Luiza X. de A. Borges; traduções escolhidas de Domingos Zamagna (Bíblia), Boris Schnaiderman e Berenice Xavier (russo), Aleksandar Javonovic (tcheco), Marcelo Backes (alemão) e Flávio Moreira da Costa - Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006;

"A História faz a ficção, a ficção completa a História"

Livro de Ester, Bíblia, Judéia - Oriente Médio
Helena de Tróia, Heródoto - Grécia Antiga
Uma noite de Cleópatra, Théophile Gautier - Egito Antigo
A perfeição, Eça de Queiroz - Grécia Antiga
O procurador da Judéia, Anatole France - Judéia - Roma Antiga
Alexandre, o Grande, karel Capek - Macedônia - Ásia
Komm, o Atrébate, Anatole France - Europa (Povo bárbaro)
Uma aventura de Carlos Magno, Conto popular - França
A cruzada das crianças, Marcel Schwob - França
Guilherme Tell, Conto popular - Suíça
O bispo negro, Alexandre Herculano - Portugal
Capitão Kid, Marcel Schwob - Inglaterra
Os túmulos de Saint-Denis, Alexandre Dumas - França
Dia 5 de outubro, Georg Heym - França
Uma missa em 1793, Honoré de Balzac - França
As empadinhas, Alphonse Daudet - França
Como o brigadeiro foi tentado pelo demônio, Arthur Conan Doyle - França
Uma página inédita da História, Guy de Maupassant - França
Tamango, Prosper Mérimée - França - África
Um posto avançado do progresso, Joseph Conrad - Inglaterra - África
Nove de janeiro, Máximo Gorki - Rússia
Linha e cor, Isaac Babel - Rússia
A origem dos reis incas do Peru, Inca Garcilaso de la Vega - Peru
O paladino encanecido, Nathaniel Hawthorne - Estados Unidos
Rip van Winkle, Washington Irving - Estados Unidos
O DemÔnio dos Andes, Ricardo Palma - Peru
Entre libertador e ditador, Ricardo Palma - Peru
A cabeça do Tiradentes, Bernardo Guimarães - Brasil
Duelo de farrapos, J. Simões Lopes Neto - Brasil
Voluntário, Inglês de Sousa - Brasil
A galeria do Diabo, Baldomero Lillo - Chile
O navio negreiro, Castro Alves - Brasil
Pai contra mãe, Machado de Assis - Brasil
Uma noite histórica, Raul Pompéia - Brasil
O poço, Augusto Céspedes - Bolívia
O holofote, Artur Azevedo - Brasil
A expedição Moreira César, Euclides da Cunha - Brasil
Essa mulher, Rodolfo Walsh - Argentina
O dia em que morreu Getúlio, Domingos Pellegrini - Brasil
1964: manobras de um soldado, Flávio Moreira da Costa - Brasil

(*) Acredito que em algum lugar do "Mundo de K", que concorre ao prêmio TOP BLOG 2010 - categoria CULTURA, encontra-se o caríssimo autor Julio Cortázar. Quando tiver um tempo, é só conferir!

(em construção)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Canto ao homem do povo - Charlie Chaplin para Carlos Drummond de Andrade



"Era preciso que um poeta brasileiro,
não dos maiores, porém dos mais expostos à galhofa,
girando um pouco em tua atmosfera ou nela aspirando a viver
como na poética e essencial atmosfera dos sonhos lúcidos,

era preciso que esse pequeno cantor teimoso,
de ritmos elementares, vindo da cidadezinha do interior
onde nem sempre se usa gravata mas todos são extremamente polidos
e a opressão é detestada, se bem que o heroísmo se banhe em ironia,

era preciso que um antigo rapaz de vinte anos,
preso à tua pantomima por filamentos de ternura e riso dispersos no tempo,
viesse recompô-los e, homem maduro, te visitasse
para dizer-te algumas coisas, sobcolor de poema.

Para dizer-te como os brasileiros te amam
e que nisso, como em tudo mais, nossa gente se parece
com qualquer gente do mundo - inclusive os pequenos judeus
de bengalinha e chapéu-coco, sapatos compridos, olhos melancólicos,
vagabundos que o mundo repeliu, mas zombam e vivem
nos filmes, nas ruas tortas com tabuletas: Fábrica, Barbeiro, Polícia,
e vencem a fome, iludem a brutalidade, prolongam o amor
como um segredo dito no ouvido de um homem do povo caído na rua.

Bem sei que o discurso, acalanto burguês, não te envaidece,
e costumas dormir enquanto os veementes inauguram estátua,
e entre tantas palavras que como carros percorrem as ruas,
só as mais humildes, de xingamento ou beijo, te penetram.

Não é a saudação dos devotos nem dos partidários que te ofereço,
eles não existem, mas a de homens comuns, numa cidade comum,
nem faço muita questão da matéria de meu canto ora em torno de ti
como um ramo de flores absurdas mandado por via postal ao inventor dos jardins.

Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duas horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens - e te descobriram e salvaram-se.

Falam por mim os abandonados da justiça, os simples de coração,
os párias, os falidos, os mutilados, os deficientes, os recalcados,
os oprimidos, os solitários, os indecisos, os líricos, os cismarentos,
os irresponsáveis, os pueris, os cariciosos, os loucos e os patéticos.

E falam as flores que tanto amas quando pisadas,
falam os tocos de vela, que comes na extrema penúria, falam a mesa, os botões,
os instrumentos do ofício e as mil coisas aparentemente fechadas,
cada troço, cada objeto do sótão, quanto mais obscuros mais falam.


II

A noite banha tua roupa.
Mal a disfarças no colete mosqueado,
no gelado peitilho de baile,
de um impossível baile sem orquídeas.
És condenado ao negro. Tuas calças
confundem-se com a treva. Teus sapatos
inchados, no escuro do beco,
são cogumelos noturnos. A quase cartola,
sol negro, cobre tudo isto, sem raios.
Assim, noturno cidadão de uma república
enlutada, surges a nossos olhos
pessimistas, que te inspecionam e meditam:
Eis o tenebroso, o viúvo, o chegado muito tarde
a um mundo muito velho.

E a lua pousa
em teu rosto. Branco, de morte caiado,
que sepulcros evoca mas que hastes
submarinas e álgidas e espelhos
e lírios que o tirano decepou, e faces
amortalhadas em farinha. O bigode
negro cresce em ti como um aviso
e logo se interrompe. É negro, curto,
espesso. Ó rosto branco, de lunar matéria,
face cortada em lençol, risco na parede,
caderno de infância, apenas imagem
entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe,
sozinha, experiente, calada vem a boca
sorrir, aurora, para todos.

E já não sentimos a noite,
e a morte nos evita, e diminuímos
como se ao contato de tua bengala mágica voltássemos
ao país secreto onde dormem meninos.
Já não é o escritório de mil fichas,
nem a garagem, a universidade, o alarme,
é realmente a rua abolida, lojas repletas,
e vamos contigo arrebentar vidraças,
e vamos jogar o guarda no chão,
e na pessoa humana vamos redescobrir
aquele lugar - cuidado! - que atrai os pontapés: sentenças
de uma justiça não oficial.


III

Cheio de sugestões alimentícias, matas a fome
dos que não foram chamados à ceia celeste
ou industrial. Há ossos, há pudins
de gelatina e cereja e chocolate e nuvens
nas dobras de teu casaco. Então guardados
para uma criança ou um cão. Pois bem conheces

a importância da comida, o gosto da carne,
o cheiro da sopa, a maciez amarela da batata,
e sabes a arte sutil de transformar em macarrão
o humilde cordão de teus sapatos.
Mais uma vez jantaste: a vida é boa.
Cabe um cigarro: e o tiras
da lata de sardinhas.

Não há muitos jantares no mundo, já sabias,
e os mais belos frangos
são protegidos em pratos chineses por vidros espessos.
Há sempre o vidro, e não se quebra,
há o aço, o amianto, a lei,
há milícias inteiras protegendo o frango,
e há uma fome que vem do Canadá, um vento,
uma voz glacial, um sopro de inverno, uma folha
baila indecisa e pousa em teu ombro: mensagem pálida
que mal decifras. Entre o frango e a fome,
o cristal infrangível. Entre a mão e a fome,
os valos da lei, as léguas. Então te transformas
tu mesmo no grande frango assado que flutua
sobre todas as fomes, no ar; frango de ouro
e chama, comida geral
para o dia geral, que tarda.


IV

O próprio ano novo tarda. E com ele as amadas.
No festim solitário teus dons se aguçam.
És espiritual e dançarino e fluido,

mas ninguém virá aqui saber como amas
com fervor de diamante e delicadeza de alva,
como, por tua mão, a cabana se faz lua.
Mundo de neve e sal, de gramofones roucos
urrando longe o gozo de que não participas.
Mundo fechado, que aprisiona as amadas
e todo desejo, na noite, de comunicação.
Teu palácio se esvai, lambe-te o sono,
ninguém te quis, todos possuem,
tudo buscaste dar, não te tomaram.

Então caminhas no gelo e rondas o grito.
Mas não tens gula de festa, nem orgulho
nem ferida nem raiva nem malícia.
És o próprio ano-bom, que te deténs. A casa passa
correndo, os corpos voam,
os corpos saltam rápido, as amadas
te procuram na noite... e não te vêem,
tu pequeno,
tu simples, tu qualquer.

Ser tão sozinho em meio a tantos ombros,
andar aos mil num corpo só, franzino,
e ter braços enormes sobre as casas,
ter um pé em Guerrero e outro no Texas,
falar assim a chinês, a maranhense,
a russo, a negro: ser um só, de todos,
sem palavra, sem filtro,
sem opala:
há uma cidade em ti, que não sabemos.

Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama. Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,
anjos desleais, cofres redondos, arquejos
poéticos acadêmicos; convenções
do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricas
e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficastes apenas um operário
comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.

Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem,
aprendiz
bombeiro
caixeiro
doceiro
emigrante
forçado
maquinista
noivo
patinador
soldado
músico
peregrino
artista de circo
marquês
marinheiro
carregador de piano
apenas semrpe entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade, o pé
errante, a estrada
fugindo, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos.


VI

Já não penso em ti. Penso no ofício
a que te entregas. Estranho relojoeiro,
cheiras a peça desmontada: as molas unem-se,
o tempo anda. És vidraceiro.
Varres a rua. Não importa
que o desejo de partir te roa; e a esquina
faça de ti outro homem; e a lógica
te afaste de seus frios privilégios.

Há o trabalho em ti, mas caprichoso,
mas benigno,
e dele surgem artes não burguesas,
produtos de ar e lágrimas, indumentos
que nos dão asa ou pétalas, e trens
e navios sem aço, onde os amigos
fazendo roda viajam pelo tempo,
livros se animam, quadros se conversam,
e tudo libertado se resolve
numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.


O ofício, é o ofício
que assim te põe no meio de nós todos,
vagabundo entre dois horários; mão sabida
no bater, no cortar, no fiar, no rebocar,
o pé insiste em levar-te pelo mundo,
a mão pega a ferramenta: é uma navalha,
e ao compasso de Brahms fazes a barba
neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido
onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.

Foi bom que te calasses.
Meditavas na sobra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de mil, os braços cruzados de mil.
E nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se. E as palavras subindo.
ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.

Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopro aos exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada, contra a miséria e a fúria dos ditadores,
ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode caminham numa estrada de pó e esperança."


(ANDRADE, Carlos Drummond de, pág. 140-149)

Andrade, Carlos Drummond de, 1902-1987 - Antologia poética (organizada pelo autor) / Carlos Drummond de Andrade: prefácio, Marco Lucchesi. - 63a. ed. - Rio de Janeiro:Record, 2009.

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sábado, 9 de janeiro de 2010

Carlos Drummond de Andrade / Passagem da noite



"É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa a face negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se desânimo.
Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra.
E que adianta uma lâmpada?
E que adianta uma voz?
É noite no submarino.
É noite na roça grande.
É noite, não é morte, é noite
de sono espesso e sem praia.
Não é dor, nem paz, é noite,
é perfeitamente a noite.

Mas salve, olhar de alegria!
E salve, dia que surge!
Os corpos saltam do sono,
o mundo se recompõe.
Que gozo na bicicleta!
Existir: seja como for.
A fraterna entrega do pão.
Amar: mesmo nas canções.
De novo andar: as distâncias,
as cores, posse das ruas.
Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras;
que a terra prossegue seu giro, e o tempo
não murchou, não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!"


(ANDRADE, Carlos Drummond de, pág. 48)

Andrade, Carlos Drummond de, 1902-1987 - Antologia poética (organizada pelo autor) / Carlos Drummond de Andrade: prefácio, Marco Lucchesi. - 63a. ed. - Rio de Janeiro:Record, 2009.

Imagem digital reeditada: Lígia Guedes - RJ - Brasil

Carlos Drummond de Andrade/Antologia Poética


"Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."


(ANDRADE, Carlos Drummond de, pág. 182)

Andrade, Carlos Drummond de, 1902-1987 - Antologia poética (organizada pelo autor) / Carlos Drummond de Andrade: prefácio, Marco Lucchesi. - 63a. ed. - Rio de Janeiro:Record, 2009.
Imagem digital reeditada: Lígia Guedes

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Elvis/Mito e Realidade



Tem livros que nunca serão terminados, como um sonho sem possibilidade de retorno ao ponto interrompido.

Arte-imagem reeditada (o livro original é azul claro/prata): Lígia Guedes
Elvis - Mito e Realidade, Maurício Camargo Brito (macbrito@bol.com.br), American Graffiti, 2a. edição - 1992

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Clarice Lispector/Entre-vistas



Ler um livro de entrevistas a princípio pode parecer adentrar através da 'palavra expressa' na intimidade do outro. No livro "Clarice Lispector - Entrevistas", difícil vislumbrar onde termina a rotina profissional da entrevistadora na arte de pesquisadora em conquistar o entrevistado com êxito para superar as expectativas do trabalho proposto e onde começa um grande diálogo. Clarice bem elabora todas as perguntas de maneira que muitas envolvem seu trabalho literário, fruto da curiosidade da alma humana, do conhecer através do outro a si própria, como ser humano comum, entretanto, com um olhar essencial à realidade do outro que se revela sempre especial.

É um livro para leitura vagarosa, onde cada entrevistado tem a oportunidade de saborear a boa prosa de Clarice quando formula perguntas, abrangentes como a vida, como quem deseja saber pelo outro o essencial que a vida propõe seja em literatura, música, artes cênicas, artes plásticas ou esportes. Como o ser humano é um pouco de tudo, melhor abrir o livro aleatoreamente e vislumbrar cada palavra conquistada por Clarice Lispector nos caros entrevistados, sejam eles Lygia Fagundes Telles, Rubem Braga, Tom Jobim, Pablo Neruda, Elis Regina, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Oscar Niemeyer ou Isaac Karabtchevsk, entre outros. Lógico que tudo acaba em um grande bate-papo, com a profundidade que somente Clarice pode proporcionar. Imaginar Tom e Clarice argumentando se a literatura e a música acabariam algum dia e em que tempo ocorreria ... felizmente concluíram que nunca acabariam (a fórmula dessa sabedoria, só os grandes podem calcular). "Só a criação satisfaz" responde em bom tom.

"Qual a coisa mais importante do mundo?";
"Qual a coisa mais importante para a pessoa como indivíduo";
"O que é o amor?";

pergunta Clarice...

"O amor";
"Saber situar-se neste mundo de alegrias e tristezas em que vivemos, certos de que não estamos sozinhos, ...";
"Sentir a fragilidade das coisas e a pouca importância de tudo que realizamos.";
"Dar ao amor o sentido universal que merece.";

foram respostas... só lendo!

Falando em leitura, não há como não pensar em releitura e pensar em releitura é pensar em Rubem Braga que curiosamente relatou pretender realizar uma seleção de todos os livros num só volume por estar em situação de 'esgotamento'. Não pretendia reeditar, nem reler seus livros, por achar a releitura um processo um tanto 'chato'... Não sei se conseguiu (reeditar o livro). Clarice Lispector concordou com ele, disse evitar ao máximo ter que reler seus trabalhos e fica mesmo espantada com pessoas que fazem releitura... Imagina! Bom, naquela época não existia a rede, é isto!

Hum... boa releitura!

Lispector, Clarice, 1920-1977 - Entrevistas, [organização de Claire Williams; preparação de originais e notas bibliográficas de Teresa Montero]. - Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
Foto digital: Lígia Guedes

sábado, 26 de dezembro de 2009

Patch Adams/ O amor é contagioso



Parece piada mas não é! Tentar ser palhaço e acabar como Médico-Palhaço ou seria um Palhaço-Médico (que diferença... se o objetivo maior é a cura) por pura opção, não é para qualquer um. Aquele sorriso envolvente, aquele nariz de palhaço... conseguir abrir o livro já é vencer o primeiro desafio. Fechar o livro sem terminar a leitura, o maior deles. Também, com tantas dicas, um verdadeiro guia prático para a vida (especialmente para aqueles que detestam livros de auto-ajuda). O livro diz o que já sabemos: que cada dia é especial...nem que seja presenteando minhocas aos amigos. Se soubesse antes... Tenho um amigo que ganhou um CD gravado caseiramente, talvez por isto tenha ficado curado logo... antes que retornassem mais visitas. Relaxa! Até entender como executar esta façanha (das minhocas presenteadas)... já estará curado. O importante é pensar diferente. Garantia do livro: ser extravagante é ser saudável! Use e abuse da extravagância. Hum... não foi tão traumatizante assim...

Patch Adams : o amor é contagioso / ilustração de Jerry Van Amerongen; tradução Fabiana Colasanti. - Rio de Janeiro : Sextante,1999.

Foto digital: Lígia Guedes

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Malba Tahan/O Homem que Calculava


Contar rebanhos por necessidade, criar habilidade e para distrair-se na passagem do tempo, contemplar a natureza e quem sabe 'contar estrelas', pássaros, em bando, voando, pelo céu afora... Pura diversão! Quem já não o fez? Quando tal talento é observado com admiração, entretanto, por tantos que não poderiam no tempo histórico ter a noção do que seria uma máquina de calcular um dia, pode gerar um bom meio de ganhar a vida. Se tal tarefa fosse realizada pelo mais hábil contador de histórias... Unir a ciência à arte de contar histórias não é tarefa fácil. O nobre escritor Júlio César de Melo e Souza, ou melhor, 'Malba Tahan' o fez com encanto elevado.

"Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento".

Esta frase de "Clarice Lispector" parece mesmo uma homenagem ao grande escritor brasileiro que tinha no simples personagem-heterônimo Ali Iezid Izz-Edim Ibn Salim Hank MALBA TAHAN a vivacidade e a leveza do viver, tão necessária ao mundo, de cá, de lá, ou de que ponto se observe.




O Homem que Calculava/Malba Tahan - 65a. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2004.
Foto digital: Carla Guedes

sábado, 12 de dezembro de 2009

Sidarta/Hermann Hesse

"Olhou o mundo a seu redor, como se o enxergasse pela primeira vez. Belo era o mundo! Era variado, era surpreendente e enigmático! Lá, o azul; acolá, o amarelo! O céu a flutuar e o rio a correr, o mato a eriçar-se e a serra também! Tudo lindo, tudo misterioso e mágico! E no centro de tudo isso achava-se ele, Sidarta, a caminho de si próprio. Todas essas coisas, esses azuis, amarelos, rios, matos, penetravam nele pela primeira vez, através de seus olhos."


"A cada passo da sua jornada, Sidarta aprendia coisas que antes desconhecera. O mundo parecia-lhe diferente. Seu coração batia como que enfeitiçado. E ele mirava o sol, sempre que este se levantava acima das montanhas cobertas de florestas ou se punha atrás da longínqua praia orlada de palmeiras. Contemplava a ordem dos astros no firmamento noturno e o crescente da lua, a singrar, feito barco, pelo espaço azul. Olhava árvores, estrelas, animais, nuvens, arco-íris, rochedos, ervas, flores, arroios e rios. Percebia o orvalho da madrugada, a cintilar nos galhos dos arbustos, e também o gris esmaecido de serras distantes. Cantavam os pássaros, zumbiam as abelhas. Nos arrozais ressoava o argentino zunir da aragem. Tudo aquilo, esse sem-número de formas e cores, existiam sempre. Em todos os tempos houvera o murmúrio de regatos e o zumbir de abelhas, mas outrora esses fenômenos tinham-se aligurado a Sidarta como um véu falaz, passageiro, estendido diante de seus olhos e que apenas merecesse desconfiança; um véu cujo destino fosse ser penetrado e destruído pelo pensamento, já que nada disso era essencial e a realidade se encontrava além dos objetos visíveis. Agora, porém, seu olhar libertado atinha-se a este lado das coisas, acolhendo e identificando o que se lhe deparava. Procurava radicar-se neste mundo. Já não ia em busca do essencial. Já não visava o além. Como era belo o mundo, para quem o olhasse assim, ingenuamente, simplesmente, sem nada procurar nele!"



"Sidarta caminhava pela floresta, já muito longe da cidade. Tinha certeza de uma única coisa: que nunca mais poderia voltar atrás, que essa vida que levara por longos anos pertencia ao passado, definitivamente, que a saboreara, chupando até a última gota, até enjoar."





Sidarta / Hermann Hesse; tradução Herbert Caro, prefácio de Luiz Carlos Maciel. - 51a. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2009.
Imagem: RJ - Brasil (Lígia)

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