sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Montanha e o Rio - Da Chen

A Montanha e o Rio - Da Chen, tradução de Paulo Andrade Lemos. - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2007.

Encerro a leitura com a sensação de que as 493 páginas foram insuficientes para tamanha emoção de narrativa. Uma história muito bem montada, apesar das muitas coincidências que a trama revela. Mas quem sou eu para duvidar de coincidências que o destino proporciona. O livro A Montanha e o Rio revela um turbilhão de reflexões acerca da Revolução Cultura Chinesa, da política, da vida, da saga de um povo, no final do século XX, que deseja ser livre mas ainda vive as amarras do medo como condição de estagnação ante as atrocidades e abuso de poder levando milhares de vítimas em um regime fechado onde a fala pode ser cortada, assim como a língua e cabeça de muitos que ousaram se pronunciar em busca da democracia e liberdade em meio a discreta chegada do capitalismo naquele conturbado meio social.

Poderia começar contando que o romance, histórico, ambicioso revela a saga de dois irmãos (Shento e Tan) que cresceram como estranhos, filhos do poderoso general Ding Long. Se dirigem a um ponto de colisão tendo a bela jovem camponesa Sumi como disputa onde o poder se mistura a luta pela sobrevivência. Bom observar, entretanto, o amplo espaço que o autor proporcionou as questões femininas, quando inicia sua narrativa com a tentativa de suicídio de uma grávida de um filho ilegítimo. Assim inicia Shento:

"Para contar a história de meu nascimento, não vou começar pelo início, mas pelo fim do meu começo. Para falar a verdade, nasci duas vezes. A primeira foi quando rasguei a passagem escura das entranhas de minha mãe. A segunda foi quando o velho curandeiro da aldeia me salvou.
A jovem que me deu à luz pretendia acabar com tudo, não apenas com a sua vida, mas também com a minha, no exato momento da minha chegada a este mundo. Tinha pressa em se atirar do penhasco que ficava no topo do monte Balan, mas eu fui mais rápido do que suas pernas inchadas e escapei de seu ventre bem no momento em que ela avançava para a beira daquele precipício fatídico. As pessoas da aldeia tentariam imaginar o que a teria levado a isso, transformando-se numa espécie de mito ao saltar do ponto mais alto da montanha, comigo ainda ligado a ela pelo cordão da vida, o emaranhado cordão umbilical."

Sumi, que sofreu estupro, autora do livro "A Órfã" dá continuidade a questões sociais, que por sinal tem um início maravilhoso: "Eu não tinha consciência da minha beleza até que os olhos dos homens me disseram. Não tinha pai nem mãe para pentear o meu cabelo, nem para me cantar canções de ninar, nem para me dizer para olhar minha própria imagem no riacho da montanha. A beleza não era importante, viver é que era importante. Pois eu, aos cinco anos de idade, tive que viver sozinha num orfanato localizado numa península solitária, que se estendia obstinadamente em direção ao Oceano Pacífico. Quando cheguei, penduraram uma tigela de metal enferrujado no meu pescoço e me deram uma colher de pau, grossa demais para os meus lábios e grande demais para a minha boca. Se eu as perdesse, teria que comer com as mãos, disse-me o diretor." , passando também por um momento de fraqueza perante a vida, quando cogita um suicídio mas a força do destino a faz recuar:

"Meu coração cantava a triste canção do mar. Tudo ao meu redor combinava com a melancolia do meu estado de espírito. Desde que deixei Shento, fiquei vagando sem rumo pela beira do mar, rodeada por uma escuridão apenas interrompida por postes solitários, cujas luzes fracas davam ainda mais profundidade à noite. Meu coração ansiava pelo mar, como se ele me chamasse: "Venha a mim, minha criança." Como desejava poder mergulhar dentro de seu ventre! Assim, todas as minhas dores se amenizariam.
Apaixonada por dois irmãos! Eu amaldiçoava o meu próprio destino, as três facas cravadas nele. Quem eu deveria escolher? Shento, com sua crueza da gente das montanhas e sua sede desesperada? Ou Tan, com o coração amoroso que tranquilizava minha mente, sem deixar espaço para a mágoa e a solidão, fazendo com que eu não precisasse de mais nada? Um morrerria por mim. O outro não viveria sem mim."

Belo livro!

DA CHEN, nascido no sul da China, em 1962, emigrou para os Estados Unidos aos 23 anos. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, o autor mora na região do vale do rio Hudson, no estado de Nova York.

4 comentários:

  1. Interessante, sendo que senão me engano, há um livro chamado Nossa Terra, que também é baseado na cultural chinesa, na qual um pequeno agricultor acaba se transformando num grande agricultor, sendo que no final da "aventura dele", há o começo da revolução chinesa...

    Fique com Deus, menina Lígia Guedes.
    Um abraço.

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  2. obrigada pelo teu comentario, estarei por aqui pqe achei mto interessante teu blog,
    beijos a minha nova amiga,

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  3. Estou começando a ler este livro agora. Espero mesmo gostar dele!

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