sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Vou chamar a polícia - Irvin D. Yalom



Irvin D. Yalom, 1931 - Vou chamar a polícia: e outras histórias de terapia e literatura / Irvin D. Yalom ; [tradução Lucia Ribeiro da Silva, Mauro Pinheiro]. - Rio de Janeiro: Agir, 2009.

O livro aborda temas complexos como a jornada do homem à busca de sua essência mas o faz de maneira farta em palavras que o autor doa em vida através de sua obra existencial que literalmente retira de sua caminhada, experiência e troca com o outro seja um amigo, um livro (para não falar alguns) escrito ou um divã.

Esse sujeito, ser em alta produtividade no mundo atual, que ao falar e identificar suas raizes de seus sintomas, embora silenciado pela ciência (o médico já não é um profeta na era moderna), nunca deixou de viver nas tradições orais, nas narrativas épicas e mitológicas, na poesia e no romance moderno - de Dom Quixote a Harry Potter. O que convencionamos chamar de literatura evidencia a necessidade que tem o homem de dar uma forma a seu sofrimento e de compreender melhor a complexidade dos dramas que o afligem. Médicos que se transformaram em escritores famosos, como Guimarães Rosa, Tchekhov, Conan Doyle, mesclam em seus escritos a vivência originada da medicina, a cuja prática ele foi compelido por circunstâncias familiares, e seu sonho adolescente de um dia se tornar um romancista.  Assim, Yahom investiga a relação entre a ficção e as histórias contadas por seus pacientes. As confissões que fazemos em uma sessão de terapia - a reconstrução de nossas vidas - pertencem ao terreno da verdade ou têm parentesco com a ficção? Nossas lembranças têm uma precisão fotográfica ou são interpretações subjetivas de acontecimentos passados? A realidade tem uma natureza objetiva ou é sempre única, impossível de ser compartilhada, fruto do psiquismo de cada um?

Nesta coletânea o autor resgata sua dívida com os grandes ficcionistas e pensadores, que jamais deixaram de considerar os nosso conflitos e a busca de um sentido para eles como inerentes à condição humana, independentes dos rumos da ciência e do saber acumulado nos laboratórios. Trabalha assim,  entre outros, por Epicuro, Sófocles, Shakespeare, Tólstói, Dostoiévski, Nietzsche, Sartre e Camus, Irvin Yalom transforma, por um lado, a fala de seus pacientes, em narrativas que a sensibilidade de clínico e as qualidades de escritor aproximam dos melhores romances. Um autor incomum.

"Paul e eu éramos muito amigos. Quando soubemos de um levante de judeus contra os nazistas na Eslováquia, resolvemos entrar para a Resistência de lá. Como eu não falava eslovaco, ele achou melhor ir na frente para sondar a situação. Se as perspectivas lhe parecessem boas, encontraria um canal clandestino e voltaria a Budapeste para me buscar. Fui com ele à principal estação ferroviária da capital e, quando o trem partiu, eu tinha certeza de que tornaria a vê-lo dali a umas duas semanas. Só que nunca mais o vi. Procurei notícias de Paul depois da guerra, mas não consegui o menor vestígio. Tenho certeza de que os nazistas o mataram."

"- A gente se acostuma, Irv; é difícil acreditar, mas a gente se acostuma. Hoje em dia, nem eu consigo acreditar que em algum momento aquilo aconteceu, mas, na verdade, houve época em que isso acontecia diariamente. Assisti a vários desses fuzilamentos em massa e sabia que, mesmo que os tiros não fossem fatais, as vítimas não teriam como escapar da morte depois de serem lançadas na água gelada."

(leia um capítulo aqui)

Desenhando o mapa da nossa vida psíquica construído por caminhos tortuosos, que Irvin D. Yalom tenta descortinar com sua narrativa em textos como "Vou chamar a polícia", que dá nome ao título do livro, descortina ainda, a posição do terapeuta, sua sinceridade, a exposição de seus próprios sentimentos, os limites de seu envolvimento com os pacientes e os benefícios de analisar, os resultados de cada sessão de terapia. Irvin oferece ao leitor os caminhos que trilhou ao longo de sua carreira seja como pedagogo, psiquiatra ou célebre romancista, autor do livro Quando Nietzsche Chorou, já resenhado aqui no blog.

Irvin D. Yalom nasceu em 1931, em Washington, D.C. Seus pais eram imigrantes russos que se estabeleceram nos Estados Unidos em busca de uma vida melhor. Desde criança, Yalom demonstrava profundo interesse pelos livros. Talvez tenha vindo daí sua paixão pela escrita e a vontade de transofrmar em narrativa o precioso material que seu trabalho como psiquiatra lhe daria. Atualmente é professor emérito de Psiquiatria da Universidade de Stanford. No Brasil foram publicados, de sua autoria, Quando Nietzsche chorou, A cura de Schopenhauer, Mentiras no divã, Os desafios da terapia, O carrasco do amor, Mamãe e o sentido da vida e De frente para o sol.

(Volto... fui ali comer uma pizza de banana que hoje é sexta-feira e a semana foi difícil... e lógico, ler o livrinho que como a pizza está quentinho quentinho - acabou de chegar!)

Uau! Maravilhoso o livro! parada somente para um cafezinho de chaleira. Resgatando questões antigas... Muito bom!

4 comentários:

  1. Myra , ANONIMA,
    obrigada pelo teu comentario,
    pena que nao posso ler este livro que deve ser OTIMO!!!sabe eu quiz ser medico psiquiatra, mas naqueles meus tempos, meu pai nao deixou pqe primero tinha que fazer medicina e eu teria que ver homens nus:))))...e alem do mais tudo que tinha que ver com PSI!! començando por Freud,era considerado charlatanismo!!!se vc. ve minha idade, 85:( vc. vai entender como era no Rio, qdo eu tinha 18 anos...
    beijosssss

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  2. Myra querida,

    Quanto a questão da realização do sonho juvenil associado ao impedimento (ver homens nus) os tempos mudaram, felizmente. Minha visinha inicia o curso de Medicina agora com 65 anos (vou perguntar para ela se esta questão estava intrínseca ao impedimento do sonho juvenil).

    Minha filha está cursando Medicina (ainda não perguntei pelo homem nú, não me ocorreu, rsrs) e por vezes creio que a especialização dela será em Geriatria :)) ou Psiquiatria :((

    Mas ela fala em Medicina desde os oito anos de idade e isto cá me ocorre que você deveria ter persistido neste sonho (de ver os pacientes sãs - de qualquer forma).

    Beijos, querida!

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  3. A melhor coisa do livro (longe) foi ter sido traduzido por uma das maiores poetisas do Brasil em todos os tempos, mas a blogueira nem faz referência ao fato. Algo bem típico destes tempos de barbárie em que Michel Teló é celebridade artística e Lúcia Ribeiro da Silva mal aparece no Google, apesar de já vir publicando há meio século.

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    1. A referência à tradutora está exatamente no primeiro escrito do texto, na referência à obra:
      Irvin D. Yalom, 1931 - Vou chamar a polícia: e outras histórias de terapia e literatura / Irvin D. Yalom ; [tradução Lucia Ribeiro da Silva, Mauro Pinheiro]. - Rio de Janeiro: Agir, 2009.

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