sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Jorge de Lima


Jorge Mateus de Lima


Estou molhado dos limos primitivos
e ao mesmo tempo ressôo as trombetas finais


Nasce no dia 23 de abril, em União dos Palmares, AL
Morre em 15 de novembro no Rio de Janeiro - RJ




Jorge de Lima nasceu no dia de São Jorge, e teve como madrinha Santa Maria Madalena, a padroeira de sua terra natal. Aos sete anos, já escrevia poesia. Adolescente, foi estudar no Colégio Diocesano, em Maceió, onde criou um jornalzinho, O Corifeu. Ali, publicou os primeiros versos e um romance escrito nos tempos de menino. Um dia, porém, em pleno recreio, um grupo de alunos rasgou toda a edição. Para se vingar dos colegas, Jorge de Lima passou a publicar nos melhores jornais da cidade. Foi assim que, de passagem por Maceió, Osório Duque Estrada leu o poema O acendedor de lampiões. Os elogios do autor da letra do Hino Nacional valeram a Jorge de Lima - então com 17 anos de idade - o título de "Príncipe dos Poetas das Alagoas".

Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Jorge de Lima regressou a Maceió em 1915, para montar seu consultório médico. Atendia de graça aos mais humildes, visitando diariamente os doentes na periferia, um hábito que manteve a vida inteira. Este trabalho tornou-o tão popular na cidade, que ele foi eleito deputado estadual. Casou-se, em 1925, com D. Ádila, com quem teve um casal de filhos, e voltou definitivamente ao Rio de Janeiro em 1930. O escritório que instalou na Cinelândia tornou-se ponto de encontro de escritores, como José Lins do Rego e Murilo Mendes. No final dos anos 40, foi eleito para a Câmara dos Vereadores da cidade, onde chegou a presidente.


Médico, ensaísta, professor, historiador, político, tradutor, romancista, pintor, escultor, o poeta Jorge de Lima começou escrevendo sonetos e alexandrinos no estilo parnasiano. Mas, já em seu segundo livro, surpreenderia com o verso livre de caráter regionalista. A adesão ao Modernismo veio como uma evolução natural de sua poesia. Ele diria a respeito: "Espíritos imaginosos inventaram mitos sobre minha "conversão", subestimando o fato de que meu processamento lírico me levaria até uma norma poética mais livre e ampla. Foi aí que nasceram Essa Negra Fulô e outros poemas de temática nativa".

Após esta fase, a poesia de Jorge de Lima ganha contornos de religiosidade e misticismo, o que ao mesmo tempo o aproxima dos surrealistas. Em Tempo e eternidade, escrito em parceria com o amigo Murilo Mendes, o poeta propõe a "restauração da Poesia em Cristo". A obra foi recebida com reservas pelos modernistas de então, o que o levou a comentar: "Não faltaram as incompreensões e as molecagens intelectuais que ainda continuam em moda no Brasil. Escrevi sempre o que desejei escrever, e se hoje me dedico a outras tentativas de arte, não é porque ache bonito ser romancista ou pintor, mas porque essas necessidades de vidência se impuseram dentro de mim, chegando a constituir uma condição essencial de minha vida total, verdadeira, absoluta."

Com Invenção de Orfeu, seu último livro, Jorge de Lima propõe uma modernização do gênero épico. Neste poema, dividido em 10 cantos, utilizando as mais diversas formas e ritmos, o poeta recorre a citações de várias origens: A divina comédia, Eneida, Os Lusíadas, O paraíso perdido, a Bíblia. Ligando trechos dessas obras através do processo de colagem, Jorge de Lima produziu um poema extremamente hermético, cujo herói "é o poeta frente ao mundo apocalítico de hoje, com os seus terrores, as suas ameaças de destruição, os seus vícios e as suas desgraças".

Místico e visionário, Jorge de Lima é amado e venerado como grande mestre por poetas de diversas gerações e estilos, embora não tenha conquistado, junto ao público, o reconhecimento de uma Drummond ou de um Bandeira. Morreu aos 60 anos, de câncer, deixando uma obra que, carregada de ternura pelo ser humano e de desenfreado lirismo, antecipou as principais questões do século XX.

"Aos meus caros colegas jovens poetas brasileiros: pensem duas vezes antes de publicar sonetos, depois de Jorge de Lima ter feito o que fez."
Mário Faustino

"Jorge, nunca o vi intranquilo ou nervoso; o mesmo sempre, inalterável, o ar generoso e discreto, paciente com todos, às vezes dando até a impressão de desligado ou aéreo. Ao lado da clientela do médico, a clientela do poeta. Enquanto numa sala, às vezes, Jorge tratava dos doentes, na outra ia aceso o debate de temas de cultura. E a impressão que ele dava era a de um mágico, pela maneira como fazia as coisas, pelo jeito de ir e vir, pelas surpresas que causava, como uma espécie de prestidigitador."
Valdemar Cavalcanti


Curiosidade
Para desenvolver todas as suas atividades, Jorge de Lima 
mantinha uma rotina espartana. Maria Teresa de Lima,
sua filha, conta que ele acordava às quatro da manhã,
e, enquanto fazia a barba, ia pintando quadros. Das
seis às oito, atendia os pobres. Daí em diante, recebia os 
clientes e amigos no consultório. Quando chegava em
casa, já de noite, escrevia até o início da madrugada. Ás
quatro, já estava novamente de pé.



O ACENDEDOR DE LAMPIÕES

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!


"Desde logo aceite: não somos (os poetas modernos), de forma alguma herméticos, como possa parecer. O que há é poesia que se explica e poesia que não se explica. Qualquer poema em que há dramas de inteligência dentro de um plano racional, como Essa Negra Fulô e muitos poemas de minha primeira fase, pode ser explicado pela crítica racional e inteligente, mas, desde que há superação do inteligível e um ar misterioso venha banhar o poema, como explicá-lo? Jamais. Aí não podem atuar os processos racionais e inteligíveis, mas somente os processos intuíveis."

Jorge de Lima


O NOME DA MUSA

                           para Adalgisa Néri

Não te chamo Eva,
não te doou nenhum  nome de mulher nascida,
nem de fada, nem de deusa, nem de musa, nem de sibila, nem de terras,
nem de astros, nem de flores.
Mas te chamo a que desceu do luar para causar as marés
e influir nas coisas oscilantes.
Quando vejo os enormes campos de verbena agitando as corolas,
sei que não é o vento que bole, mas tu que passas com os cabelos soltos.
Amo contemplar-te nos cardumes das medusas que vão para os mares boreais,
ou no bando das gaivotas e dos pássaros dos pólos revoando
sobre as terras geladas.
Não te chamo Eva,
não te dou nenhum nome de mulher nascida.
O teu nome deve estar nos lábios dos meninos que nasceram mudos,
nos areais movediços e silenciosos que já foram o fundo do mar,
no ar lavado que sucede as grandes borrascas,
na palavra dos anacoretas que te viram sonhando
e morreram quando despertaram,
no traço que os raios descrevem e que ninguém jamais leu.
Em todos esses movimentos há apenas sílabas do teu nome secular
que coisas primitivas escutaram e não transmitiram às gerações.
Esperemos, amigo, que searas gratuitas nasçam de novo,
e os animais da criação se reconciliem sob o mesmo arco-íris;
então ouvireis o nome da que não chamo Eva
nem lhe dou nenhum nome de mulher nascida.


Obras do autor


POESIA: XIV alexandrinos, 1914; Poemas, 1927; Novos poemas, 1929; Poemas escolhidos, 1932; Tempo e eternidade (com Murilo Mendes), 1935; A túnica insonsútil, 1938; Poemas negros, 1947; Livro de sonetos, 1949; Anunciação e encontro de Mira-Celi, 1950; Invenção de Orfeu, 1952. 

ROMANCE: Salomão e as mulheres, 1927; O anjo, 1934; Calunga, 1935; A mulher obscura, 1939; Guerra dentro do beco, 1950.
 
ENSAIOS: A comédia dos erros, 1923; Dois ensaios, 1929; Anchieta, 1934; Rassenbildung und Rassenpilotik in Brasilien, 1934.


OUTROS: História de terra e da humanidade (história), 1937; D. Vital (biografia), 1945; Vida de S. Francisco de Assis (biografia), 1942; Vida de Santo Antônio (biografia), 1947; Castro Alves - Vidinha, 1952.

OBRAS COMPLETAS: Obra poética, 1950; Obra completa, 1958.

Fonte: 100 Anos de Poesia - Um panorama da poesia brasileira no século XX


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