segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Victor Hugo - O último dia de um condenado à morte


Por que não?
Os homens... são todos
condenados à morte
sem apelação.

"Condenado à morte!
Há cinco semanas que estou vivendo com este pensamento, sempre sozinho com ele, sempre félido com a sua presença, sempre encurvado sob o seu peso!
Outrora, pois parece-me que são anos e não semanas, era um homem como qualquer outro. Cada dia, cada hora, cada minuto trazia uma idéia própria. Meu espírito, jovem e rico, era cheio de fantasias. Divertia-se fazendo-as desfilaem uma atrás da outra, sem ordem nem fim, bordando com inesgotáveis arabescos esse rude e fino tecido da vida. Eram donzelas, esplêndidas capas de bispos, batalhas ganhas, teatros cheios de barulho e de luzes, e mais donzelas e passeios noturnos sob a ampla copa dos castanheiros. Era sempre festa na minha imaginação. Podia pensar no que eu quisesse, era livre.
Agora estou preso. Meu corpo está acorrentado num calabouço, meu espírito está aprisionado numa idéia. Uma horrível, sangrenta, implacável idéia! Só tenho agora um pensamento, uma convicção, uma certeza: condenado à morte!
O que quer que eu faça, ele está sempre lá, este pensamento infernal, qual espectro de chumbo ao meu lado, só e ciumento, afastando qualquer distração, face a face comigo, infleiz, e sacudindo-me com suas duas mãos gélidas quando quero desviar a cabeça ou fechar os olhos. Insinua-se sob todas as formas lá onde meu espírito queria fugir dele, mistura-se como um estribilho horrível a todas as palavras que me são ditas, gruda comigo nas grades hediondas do meu calabouço; obceca-me quando acordado, espia meu sono convulsivo e reaparece nos meus sonhos sob a forma de uma faca."

Ganhei este livro de presente de uma amiga no SKOOB para doação, entre outros. Ao observar melhor a imagem da capa, acabei por associar a imagem da cena de um outro livro, A FERA DE MACABU, livro raro, do jornalista de Campos dos Goitacazes (RJ), Márcio (pesquisar depois), que relata a história de vida de Motta Coqueiro, o último condenado à morte no Brasil e que teve enforcamento em praça pública, na cidade de Macaé. Observar a história na posição dos condenados, um com uma guilhotina no pescoço sabendo-se inocente, outro na posição angustiante e dolorosa espera de ser mutilado em praça pública , de ser privado de seu único bem, de sua própria vida, se consumindo lenta e inexoravelmente, em ritmo obsessivo, martelante dos últimos e penosíssimos pensamentos e dos delirantes fantasmas de uma mente incrédula e aterrorizada.

Pena de morte sendo discutida em claro discurso literário em favor da abolição da pena de morte, publicado no último ano da monarquia dos que Victor Hugo, na idade de 27 anos, tomou posição em defesa dos direitos inalienáveis do homem e, sobretudo, do direito à vida. Hoje inicio esta dolorosa leitura, em que a mutilação de corpos são expostos, onde o condenado, em silêncio, sem direito a fala,  vê-se mutilado publicamente onde muitos gozam a cena, sem alcançá-la visualmente, outros, jogam, leem, conversam enquanto se desenrola a mutilação, cena exposta a público.

Vale observar que na época em que o livro foi publicado, a ideia do livro foi lançada para ser absorvida pelo público, entretanto, o autor já divisava um objetivo maior, ou seja, atingir o senso comum de que não somente aquela mutilação específica, mas colocar o condenado na posição de ator principal de um palco onde teria direito a absorvição definitiva daquela angústia a público, onde não somente um corpo mutilado era exposto, mas a semente lançada, já naquele tempo histórico. Bem, vamos lentamente narrar esta mutilação de corpos a público, lentamente, assim para que o prazer de ver um corpo mutilado, esquartejado, chegue aos olhos de todos, socialmente. Retorno com as partes a medida que o livro for sendo dissecado. Apesar de conter apenas cem páginas, podendo ser leitura rápida, prefiro explorar cada parte deste corpo vivo, lentamente, demoradamente, bem desencaixando cada parte para somente depois de toda sua leitura vê-lo inteiro, por completo.

"A janela dava para um pátio quadrado bastante amplo e ao redor do qual erguiam-se nos quatro lados, como uma muralha, um grande edifício de pedras talhadas de seis andares. Nada mais arruinado, mais nu, mais miserável para os olhos que aquela fachada quádruple esburacada por um sem número de janelas gradeadas às quais estavam grudados, de cima a baixo, uma multidão de rostos magros lívidos, imprensados uns em cima dos outros, como as pedr5as de uma parede, e todos por assim dizer emoldurados nos entrecruzamentos das grades de ferro. Eram os prisioneiros, espectadores da cerimônia esperando o dia deles serem os atores. Pareciam almas penadas nos respiradouros do purgatório que dão para o inferno.
Todos olhavam em silêncio o pátio ainda vazio. Estavam esperando. Entre essas figuras apagadas e sombrias, brilhavam aqui e ali alguns olhos penetrantes e vivos como línguas de fogo."

O condenado ainda não rumou a mutilação pública, apenas observa o triste cenário a que está inserido.

"Tocou meio-dia. Um grande portão, escondido num nicho, abriu-se de repente. Uma charrete, escoltada por umas espécies de soldados sujos e envergonhados, de uniforme azul com dragonas vermelhas e bandoleiras amarelas, entrou pesadamente no pátio com o barulho de sucata. Era os forçados e as correntes.
No mesmo instante, como se o barulho despertasse todo o barulho da prisão, os espectadores das janelas, até então silenciosos e imóveis, explodiram em gritos de alegria, músicas, ameaças, imprecações misturadas a gargalhadas pungentes de ouvir. Pareciam máscaras de demônios. Cada rosto mostrou uma careta, todos os punhos saíram das grades, todas as vozes uivaram, todos os olhos flamejaram e fiquei apavorado ao ver tantas centelhas reaparecerem nessas cinzas.

Nota do prefácio: "Existem duas maneiras de constatar a existência deste livro. Ou bem houve, de fato, uma pilha de folhas amareladas e desiguais sobre as quais foram achadas, registradas uma a uma, as últimas reflexões de um pobretão; ou bem houve um homem, um sonhador ocupado em observar a natureza em proveito da arte, um filósofo, um poeta, talvez, que fez dessa idéia sua fantasia, que a tomou ou, melhor dizendo, foi tomado por ela, e que só conseguiu livrar-se dela jogando-a num livro.
Das duas explicações, o leitor escolherá a que melhor lhe convier."

O livro vem declarar e repetir que está pleiteando, em nome de todos os possíveis réus, inocentes ou culpados, perante todas as Cortes, todos os pretórios, todos os júris, todas as injustiças. O presente livro está endereçado a quem quer que julgue. E, para que a defesa seja tão abrangente quanto a causa, foi-lhe preciso - e é por esta razão qu 'O último dia de um condenado' é assim feito - podar onde quer que fosse necessário o seu objeto, o contingente, o acidental, o peculiar, o especial, o relativo, o modificável, o episódio, a anedota, o acontecimento, o nome próprio, e limitar-se a defesa da causa de um condenado qualquer, executado num dia qualquer, por um crime qualquer. Feliz se, sme outra ferramenta que não o pensamento, conseguiu vasculhar o bastante para fazer um coração sangrar sob aes triplex do magistrado! Feliz, se ele fez com que os que se acreditam justos tenham se tornado piedosos! Feliz se, de tanto fustigar o juiz, conseguiu vez por outra, encontrar nele um homem!

"Estava passando pela Praça de Grève, de carro, um dia, por volta das onze da manhã. De repente, o carro parou.
havia muita gente na praça e no cais, mulhres, homens, crianças, estavam de pé no parapeito. Acima das cabeças, via-se uma espécie de palanque de madeira vermelha que três homens estavam montando.
Um condenado ia ser executado naquele mesmo dia e estavam construindo a máquina.
Virei a cabeça antes de ser visto. Ao lado do carro, havia uma mulher que dizia para uma criança:
"Olhe, está vendo? A faca não está descendo direito, vão passar um pedaço de vela nos montantes para facilitar."
É provavelmente o que eles estão fazendo agora. Onze horas acabam de tocar. Devem estar passando vela nos montantes.
Desta vez, infeliz, não virarei a cabeça.

Há três anos, quando da publicação deste livro, alguns pensaram que valia a pena contestar que a idéia fosse do autor. Uns imaginaram um livro inglês; outros, um livro americano. Estranha mania essa de procurar a mil léguas as origens das coisas, e querer que a água do regato que lava sua rua venha do rio Nilo! Infelizmente não temos aqui nenhum livro inglês, nem americano, nem chinês. O autor tirou a idéia de 'O Último Dia de um Condenado", não de um livro, não tendo o costume de ir buscar suas idéias tão longe, mas sim lá onde todos podemos pegá-la, onde talvez a tenhamos pego (pois quem não fez ou sonhou na própria mente "O Último Dia de um Condenado'?), simpelsmente na praça pública, na praça de Grève. Foi aí que um dia, passando por lá, ele apanhou essa idéia fatal, que jazia numa poça de sangue debaixo dos cotos vermelhos da guilhotina.

Uma comédia a propósito de uma tragédia, isto é 'O último dia de um condenado à morte'.

Título original: Le dernier jour d´un condamné
Tradução: Annie Paulette Marie Cambê
Revisão: Taísa Lucchesi

Ilustração da capa: Aligi Sassu, Fucilazione nelle Asturie, 1935
Design: Alessandro Conti

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A.A. Parada: Um Barco Encalhado por Baco


Continuação - A.A. Parada (Coisas e Gente da Velha Macaé):
Um Barco Encalhado por Baco.

Dois desastres marítimos, que culminaram com a perda preciosa de vidas e embarcações, tiveram repercussão na Macaé da última metade do século passado.
O primeiro, ocorrido a 28 de novembro de 1861, com o vapor "Hermes", vai relatado em outras páginas dêste livro.
O segundo, verificado num outro novembro, precisamente aos 22 dias dêsse mês do ano de 1877, fez naufragar, próximo às Ilhas de Sant´Ana, o vapor "Barão de Goitacaz", da frota costeira da Companhia Macaé e Campos, quando voltava da Côrte para o seu ancoradouro, na enseada de Imbetiba.
A catástrofe do "Barão de Goitacaz" também é conhecida dos macaenses, contada que foi, há poucos anos, pela pena brilhante e sempre moça de Cezar Mello que, com o pseudônimo de Zé Marcello (inteligente arranjo das letras de seu nome), era o responsável pela secção "Macaé antiga e curiosa" mantida nas páginas de "O Rebate".
Aqui, nêste desfilar de coisas antigas de nossa terra, iremos ocupar-nos com um outro desastre marítimo.
Êste, entretanto e felizmente, não será pintado com as côres negras necessárias para aquêles.
Pelo contrário! Malgrado a classificação de "desastre" que deve ser dada a um encalhe de navio, há, em sua história, uma rósea côr de humorismo e graça.
Tivemos conhecimento do fato ao compilarmos um manuscrito a guisa de diário, de José Carneiro da Silva, 1. Visconde de Araruama, tronco da nobre família Araruama, de Quissaman, documento antigo e precioso que nos foi permitido consultar pela gentileza da exma. Dona, Clarisse Carneiro da Silva Caldas, espôsa do dr. Jorge Caldas, descendente direta do referido 1. Visconde de Araruama.
Assim, relata êle que a 27 de abril de 1810, "pelas onze horas da noite" deu à costa "na altura de 22 graus e 14 minutos, uma pequena fragata ou galera de três mastros, composta a sua equipagem de inglêses, chineses, espanhois, portugueses asiáticos e um genovês, ou holandês".
Não cita o 1. Visconde de Araruama o nome da galera, mas conta que a mesma vinha rumo ao Rio de Janeiro, em viagem que se iniciara a 2 do mesmo mês, no Cabo da Boa Esperança, com a embarcação provida de pouca carga e sendo ela de recente propriedade de um inglês, comerciante no Rio de Janeiro, "que a tinha mandado comprar no rferido Cabo e custou-lhe 25.000 pêsos espanhóis".
A viagem, ao que se presume, transcorreu normalmente até o dia 27. À tardinha, como pretendesse entrar no Rio de Janeiro no dia seguinte, resolveu o capitão comemorar o final da viagem e deu ordens ao cosinheiro paa que o jantar normal e corriqueiro de todos os dias convertido fôsse em "um banquete mais largo principalmente em vinho".
O "mais largo" a que se refere o manuscrito, deve ter sido de largura medida em quilômetros, pois o estado físico dos participantes do banquete, findo êste, foi tão precário que, capitão à frente, foram todos deitar-se, a curtir no aconchêgo das cobertas e do travesseiro, a terrível carraspana.
O capitão da galera "entregou a direção da embarcação a um inglês dizendo-lhe que até a meia-noite fizesse um bordo para a terra e da meia-noite para diante fizesse para o mar, para montarem o Cabo-Frio".
Talvez por nefasto efeito dos vapores, que à cabeça lhe subiram por conta do bom e "largo" vinho ingerido, talvez por sua natural incompetência (quem lá sabe?), o fato é que os cálculos do capitão foram totalmente errados: antes da meia-noite, exatamente às onze horas, ou seja, antes que, de acôrdo com suas ordens, fôsse feita a deriva para o mar, a embarcação encalhou em areias macaenses.
E, embora classificando de "errado" o cálculo, não deixa o 1. Visconde de Araruama, em seu manuscrito, de apresentar a justificativa do capitão amigo de Baco: "é certo que o capitão me disse que o que lhe fez tão depressa chegar à terra foi a grande correnteza que as águas faziam para a terra, o que não tinha percebido de dia.".
Ao que nos parece, porém, as justificativas dêsse capitão de nome desconhecido, bem merecem a aplicação daquele ditado "desculpa de amarelo é a friagem".

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

X Canta Brasil 2010


X Canta Brasil 2010 -

São Lourenço - 20 à 29 de Agosto


Estarão participando da cidade de Macaé (RJ) no evento:

Coro de Câmara da Escola de Artes Maria José Guedes


Coral da Cidade de Macaé

Poderá gostar também dos outros coros nacionais e internacionais: Coral Bach de São Lourenço, Coral Comunica Som - Correios e Telégrafos - RJ, Coral Conviver - Itanhaém - SP, Coral Cristo Salvador - Contagem - MG, Coral da UNIMED - São Lourenço, Coral Divina Misericórdia - Rio de Janeiro, Coral FENABB - AABB - Distrito Federal, Coral Infantil da Escola Municipal Ismael Junqueira de Souza, Coral Israelita Brasileiro, Coral Joanna de Angelis - Botucatu - São Paulo, Coral Lirico de São Lourenço, Prefeitura Municipal de São Carlos - SP, Coral Santa Bárbara - Rio de Janeiro, Coral Santa Cecília - Limeira - São Paulo, Coral São Miguel - Rio de Janeiro, Coral Sol Maior - Sociedade Brasileira de Eubiose, Coral Vozes de Madureira - Rio de Janeiro, Coro Canto das Gerais - São Lourenço, Grupo Vozes da Cela - Presídio de São Lourenço, Zefiro Canto - Patagônia- Argentina, Madrigal Ubaense - Ubá  - MG, Coral Grupo Vida Loty - Itanhaém - SP, Coral Monte das Oliveiras - Nova Iguaçú - RJ, Coral da Fundação Dionísio Lins - RJ, Coral Santa Isabel Rainha de Portugal - RJ, Coral do INMETRO - Rio de Janeiro - RJ; Madrigalfa - Rio de Janeiro - RJ; Coral FEIC - Rio de Janeiro - RJ, Coral GEAP - Hospital Ipanema - RJ; Tijucanto - Tijuca Tênis Clube - RJ, Coral Casa Branca - Casa Branca - SP, Associação Coral Santa Cruz - São José - SC, Coral Cantigas e Modernas - Sta. Cruzdas Palmeiras - SP, Coral Pio X - Duque de Caxias - RJ, Coro de Câmara da Escola de Artes Maria José Guedes - Macaé - RJ (foto acima) , Vozes do Forte - Militares do Forte de Copacabana - RJ, Coral Anjos da Guardian - Porto Real - RJ, Coro San Francisco - Univ. Católica de Equador, Coro Ouvindo Avóz - Santos - SP, Coral Muturessência - Santos - SP, Coral do Club Homs - São Paulo - SP, Coral UNAI - Universidade Aberta Aintegração - Mogi das Cruzes - SP, Coral da Cidade de Macaé - RJ (foto acima), Coral Infantil da Fundação BRADESCO - Itajubá - MG, Coral Outono Feliz - Rio de Janeiro - RJ, Coral Itália Canta - Jundiaí - SP, Coral Cant´Arte - Jundiaí - SP, Coral Municipal de Aguaí - SP, Coral da ASAP - São João Del Rei - MG; Coral do Projeto Gugu - Niterói - RJ, Coral Cultura Musical - Jundiaí - SP.

Bom canto!

Boa semana!


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A. A. Parada - Coisas e Gente da Velha Macaé

Antônio Alvarez Parada -
 Coisas e Gente da Velha Macaé
(Crônicas Históricas)

"Todos cantam sua terra,
Também vou cantar a minha..."

 Tenho em mãos um livro raro. Raro por ser "um livro escrito por um macaense para os macaenses, sejam êles os que aqui residem na felicidade de sua paz e de sua beleza invejáveis, sejam aquêles que por contingência da vida, daqui se afastaram, ganhando o pão de cada dia no labor ingente de outros centros, sempre saudosos de um mergulho nas águas da Imbetiba ou de um bate-papo amigo nos cafés da rua Direita.

Não é um livro definitivo e, o que mais importa, não pretende sê-lo.

É mais a consequência de um desejo irresistível e incontrolável, qual seja o de levar para o papel, em letras impressas, algo daquilo de curioso e interessante que o autor viu ou soube a respeito do passado de sua terra, onde nasceram, para cada um dos macaenses, tantas alegrias e tantas tristezas.
É, também, um preito de amor à terra natal a que está ligado por tão grandes laços, à terra para a qual não encontrou e, está certo, não encontrará rival em todo o mundo."
Vista Praia Campista - Macaé (RJ)
Macaense, confirmo a fala nada exagerada do caro A.A. Parada (Antônio Alvarez Parada) no prefácio de seu nobre livro "Coisas e Gente da Velha Macaé". Declara ainda, alegando ser "uma obra modesta com a qual pretende o autor iniciar um ciclo de livros sôbre as coisas macaenses, sempre com um único objetivo: "Conhece-te a ti mesmo" . Dedicatória do livro: à memória de meu pai e de minha irmã Pilar. A minha mãe. A minha espôsa. Este é o autor, carinhosamente conhecido como professor Tonito.


Farol - Macaé (RJ)

Minha Terra

   (Alcindo Brito)

A terra em que eu nasci é uma cidade linda!
É a cidade mais linda que há no mundo!
Cidade maravilhosa, cheia de pescadores,
parece que emergiu por encanto das profundezas do mar,
e ficou na praia quente
a se espreguiçar…
a se espreguiçar…


Cidade cheia de riquezas,
és pobre porque és consciente e conformada.
Os teus filhos não são ambiciosos
porque, acostumados a fitar a imensidão do mar,
aprenderam, vendo a imensidade,
que a riqueza material de uma cidade
é coisa pequena demais
para ser coisa que se deva ambicionar!


Minha terra, és rica porque não tens ambição!
Vives no teu sossêgo sem alarde do que és,
sem atraires para elas essa gente sem coração
capaz de abandonar-te sem saudade
depois de ter fartado de gozar-te,
minha cidade!
Gente incapaz de sentir
a tua profunda espiritualidade!


Há quantos anos não te vejo,
pátria da minha infância!
A tua lembrança é uma tela de cinema,
a casinha pensativa que o vovô deixou para minha mãe,
o gradil quebrado do jardim em que eu brinquei,
a maleta de meus livros pendurada atrás da porta da sala de jantar
e a escola no fim da rua;

E a rua muito comprida de paralelepípedos mal dispostos
em que eu soltava papagaios para as bandas do mar
e dois burros resignados arrastavam um bonde barulhento sôbre os trilhos estreitos…


E a cabra cega na praia…
(Tôda vez que eu passava na Alfândega indo p´ra Imbetiba,
o guarda, um soldado, armado de carabina,
gritava como se eu fôsse um contrabandista:
- Quem vem lá? – e eu respondia como a mamãe me ensinara:
- É de paz!
- Passe de largo!
(Eu dava uma corridazinha…)


A praia… Velas de pescadores…
Aves marinhas escrevendo negras reticências minúsculas na
[ tarde azul e grande...
O horizonte longe… O céu azul… O mar sem fim…


Homens rudes que chegam com os barcos transbordando de
[peixes
e a gente pobre que aguarda a chegada dos barcos…
Eu faço estes versos cheio de saudade
de ti, minha cidade!
Eu ainda vejo o teu sol vermelho tomando banho muito cêdo
[em alto mar!


Dentro de minha sensibilidade
tu me apareces cada vez mais linda,
Macaé, minha terra, pátria da minha infância,
Neste momento eu te vejo colorida,
minha suavíssima cidade!
Tôda vestida com as lindas côres de um arco-ris
num cair de tarde!


Antiga Praia das Pedrinhas - Macaé (RJ)

Certamente AA Parada acompanha a vida de Macaé e surpreso não está com as mudanças na terra natal, tantos as boas quantos as nem tanto pois que grande conhecedor do espírito humano sabe que estes privilégios da terra não atingiram somente a beleza natural desta terra que aberta está as milhares de migrações sempre acolhidas com carinho, independente dos interesses que aqui se façam.

O livro tem crônicas interessantes como a origem através de "Jean de Léry a primeira referência ao nome de Macaé" , "Gondomar e a Fundação de Macaé", "Os Sete Capitães", "A Fortificação da Cidade" e até a descoberta por Saint-Hilaire, a 14 de setembro de 1817, junto "a um grande lago de água salgada chamado Lagoa da Sica ou de Boassica, apenas separada do oceano por estreita faixa de terra arenosa e margeada de grandes florestas".

"Logo no início do capítulo e em que se ocupa de nossa terra, Saint-Hilaire faz uma referência à origem do nome de Macaé, escrevendo textualmente: "ainda em nossos dias, os habitantes do Paraguai chamam "macaé", em língua guarani, a uma espécie de arara, inteiramente verde, existente em seus campos". E, em nota a parte, acrescenta: "não posso ter a menor dúvida sôbre a etimologia a que refiro aqui, porquanto me foi indicada nas Missões do Uruguai por um homem competente, que vivera muito tempo no Paraguai e que conhecia perfeitamente a língua guarani".

Entra, assim, Saint-Hilaire no rol dos que interpretaram erradamente a etimologia de "Macaé", preferindo dá-la como "arara verde", da mesma forma que Batista Caetano, citado por Teixeira de Mello, a traduz por "céu enxuto" e outros por "rio dos bagres", quando hoje, todos os tupinólogos estão acordes em que Macaé significa "a macaba dôce" ou "Côco-dôce".

Parece que Saint-Hilaire andou comendo Côco-dôce e se fartou.

Ah, Macaé sendo 'arara-verde' ou 'côco-dôce', que importa, importa que ela é linda com suas serras, rios, mares, entardecer, nascer de sol, ventos, mares e belezas mil onde o macaense, seja ele da terra ou apenas por ela peregrino, vive um paraíso encantado, perfeição divina.

Fonte: Parada, Antônio Alvarez – Coisas e Gente da Velha Macaé (Crônicas Históricas, Edigraf – São Paulo – 1958)
Croquis da capa de JoãoPaulo Cantuária - Texto ilustrado pelo autor

sábado, 14 de agosto de 2010

Caravanas Euclidianas: Euclides da Cunha - Os Sertões/O Enigma de Os Sertões

"Acredito no futuro estabelecimento de uma perfeita solidariedade universal, envolvendo por inteiro a humanidade."

A alguns meses a "Caravanas Euclidianas" esteve na cidade de Macaé e na falta de oportunidade de participar, saber que a  cidade de Carapebus (RJ) foi a oitava cidade no dia 13 de agosto em sua rota, data que coincide com a festa de N. Senhora da Glória, padroeira da cidade (que por sinal abrigou o espaço do evento) lembrei de uma frase de minha avó espanhola:  "as oportunidades passam... não voltam" e apesar do sapato apertado naquela quase uma hora de viagem em um lotação com 80 pessoas, metade sentada, curvas e velocidades, peregrinei em sua direção pensando mesmo em fazer uma surpresa ao colega de profissão de Euclides,  Barros e seu "Barro´s Bar" que já fez matéria sobre o autor de "Os Sertões".

Apesar de saber antecipadamente do trabalho científico para a obra de Euclides, a "Caravanas Euclides" poderia priorizar este ângulo do projeto, ainda assim, surpreendida fiquei com a forma de apresentação, onde a emoção, os convidados, pessoas simples da terra puderam participar como atores desta peça histórica itinerante.

Igreja de N. Senhora da Glória - Carapebus - RJ

As "Caravanas Euclidianas" , um projeto concebido por professores e pesquisadores e viabilizado por intermédio do Laboratório de Memória e Imagem do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) sob a coordenação da Profa Dra Regina Abreu e assim como Euclides da Cunha gostava de percorrer cidades, no início do século XIX, acaba por incluir o homem simples no país, o projeto que retrata o homem, a terra, a luta está previsto para encerrar em setembro do corrente ano, na cidade de Parati, após visita a diversas cidades brasileiras. É apoiado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC).

"Não sei de mais elevada política do que essa, da aproximação dos espíritos na América Latina. No dia em que nos conhecermos bem e a nossas inteligências se entrelaçarem, não haverá surpresas políticas que nos precipitem na guerra."
(Euclides da Cunha)

É composta a caravana, por uma exposição itinerante que leva ao Estado do Rio de Janeiro, o único filme sobre a vida e obra do escritor fluminense Euclides da Cunha. O projeto também inclui palestras, debates, oficina de literatura, documentação audiovisual para jovens do ensino médio e a cesta cultura composta pelo livro "Os Sertões" de Euclides da Cunha. O projeto faz refletir acerca das desigualdades, educacionais, sociais almejando um país mais potente, mais diversificado, objetivo da "Caravanas Euclidianas."

"O progresso envelhece a natureza. Cada linha do trem de ferro é uma ruga e longe não vem o tempo em que ela, sem seiva, minada, morrerá. Tudo isto me revolta, vendo a cidade dominar a floresta, a sarjeta dominar a flor."
(Euclides em 1883, entre 17 e 18 anos).

Euclides da Cunha foi o escritor fluminense que descobriu "Os Sertões" , inspirando o filme do carismático Noilton Nunes sobre sua vida e obra "A Paz é Dourada".

Presente e emocionante no evento a voz de Belô Velloso cantando o samba carnavalesco de 1976 que bem traduz o livro :

Marcado pela própria natureza o nordeste do meu Brasil
Oh solitário sertão de sofrimento e solidão
A terra e seca não se pode cultivar
Morrem as plantas e foge o ar
A vida e triste nesse lugar


Sertanejo é forte supera a miséria sem fim
Sertanejo homem forte dizia o poeta assim
Foi no século passado no interior da Bahia
O homem revoltado com a sorte
Do mundo em que vivia


Ocultou-se no Sertão espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei que a sociedade oferecia


Os jagunços lutaram até o final
defendendo canudos naquela guerra fatal
Os jagunços lutaram até o final
defendendo canudos naquela guerra fatal


Ainda em vida, Euclides da Cunha viu sua obra Os Sertões ser transformada em um sucesso de crítica e de público sem precedentes na história intelectual do país. Foi essa reputação de Os Sertões como "o livro número um" do Brasil que levou Regina Abreu a investigar as condições de surgimento da qualidade emblemática dessa obra. Buscou compreender quais os motivos que fizeram desse livro uma referência sagrada, um monumento e um símbolo nacionais.


O livro de Regina Abreu "O Enigma de Os Sertões" tem um capítulo raro específico entitulado: Um Engenheiro faz Literatura. Incentivo àqueles que tem "alma de poeta"  e aliam os dois elementos que muitos consideram como incompatíveis: a ciência e a literatura.


Contato:


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Rubem Alves - do universo à jabuticaba


"MINHA VIDA... se divide em três fases. Na primeira, meu mundo era do tamanho do univeso e era habitado por deuses, verdades e absolutos. Na segunda fase meu mundo encolheu, ficou mais modesto e passou a ser habitado por heróis revolucionários que portavam armas e cantavam canções de transformar o mundo. Na terceira fase, mortos os deuses, mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos, meu mundo se encolheu ainda mais e chegou não à sua verdade final mas à sua beleza final: ficou belo e efêmero como uma jabuticabeira florida."

Levei um susto quando vi a capa do livro, assim verde e amarelo. Não parece em nada com o jeitão do Rubem. Mas independente de cor, o Rubem Alves é irresistível quando se precisa de um amigo para um longo papo. É só colocar um banquinho próximo a uma jabuticabeira, um pote no colo e jogar conversa fora (sou seriam caroços...) Se a prosa for à noite, melhor, sem pressa como velhos amigos após longo período de ausência. Assim é a leitura dos seus causos, histórias hilariantes (tem até de extintor desentupidor, acredite) tudo dito da mais simples forma. Pura filosofia, ou seria psicologia. Que importa, já relatou o próprio que o melhor negócio da vida é ser palhaço, no melhor sentido. Então, à palhaçada, sem perda de tempo!

Eu e as palavras somos companheiros de brincadeira. Esse livro é uma brincadoteca. Para explicar isso me lembrei do que Neruda escreveu, ele que também amava brincar com as palavras. Não sou Neruda, mas a literatura me dá permissão para brincar com os brinquedos que ele fez com as palavras: Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, modo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras. São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no voo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, com ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, gito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as, como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra..."

Assim eu gostaria que fossem as minhas palavras - perdão, as palavras nunca são minhas porque são elas que brincam comigo - mas quem sou eu? Não sou poeta. Sou um palhaço. Meus textos? Como se fossem um espetáculo de circo. Assim lhes desejo, aos que brincam com o que escrevo, leveza e risos. E, se possível, beleza e espanto.

(Rubem Alves - do universo à jabuticaba)

Alves, Rubem - Do universo à jabuticabeira / Rubem Alves. - São Paulo : Editora Planeta do Brasil, 2010.

Revisão: Tulio Kawata
Capa: Vanderlei Lopes
Diagramação: Casa de Ideias

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Clarice Lispector - Laços de Família

 Teia da Vida

A aranha traça na sua teia
Seu destino, o seu alimento
O seu condimento e o sabor da vida
Que na teia ela destina

O pescador no mar
Traça na rede de pesca,
O seu futuro, a sua fé,
A sua amizade
e o seu mar de felicidade
Que no barco ele desvia da tristeza
e acerta na alegria de viver
E toda a sua beleza"

(Carla Guedes - Imaginária Flor, 1999)


Um dia vi minha filha demoradamente observar uma aranha.  A aranha era sua presa naquele dia. A vida queria seguir seu curso contemporâneo mas tudo parecia parar naquela cena. Rendida, um caderno a partir daquele dia teria um lugar para encontro de letras, seja flor, seja aranha, seja mar. Assim, surgiu o primeiro livro de poemas de Carla Guedes (à direita, na foto acima, ao lado dos irmãos Lis/esquerda, Victor/esquerda e Davi), 'Imaginária Flor', editado aos 10 anos. No prefácio a autora relata: "a vida, as flores, o amanhecer me inspiram.".

Em  "Laços de Família", Clarice Lispector aborda através da literatura como bússola pela essência humana a desvendar as profundezas da alma. Utiliza o cotidiano revelado nos personagens na iminência de um milagre, uma explosão ou uma singela descoberta. Todos suscetíveis aos acontecimentos do dia a dia. Vidas que se perdem e se encontram em labirintos formados por uma linguagem única, meticulosamente estruturada, de caráter profundo e universal.

"Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O mínimo corpo  tremia. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d´água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um laod para outro na cozinha, cortanto os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos."

Com vocabulário simples, o leitor que não se engane ao ser surpreendido com pequenos detalhes do cotidiano deflagando o entrechoque de mundos e fronteiras, desnudando um ambiente falsamente estável, em que vidas aparentemente sólidas se desestabilizam de súbito, justo quando o dia a dia parece estar sendo marcado pela ameaça de nada acontecer.


"Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranquila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.
Acabara-se a vertigem de bondade.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia." 


Lispector, Clarice, 1925-1977 - Laços de família: contos / Clarice Lispector. - Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

domingo, 8 de agosto de 2010

Clarice Lispector - Correspondências



Nova York, 10 de junho de 1946
"Clarice,
Esta é a quarta carta que inicio para responder a sua. A primeira eu deixei no Brasil, só trouxe a primeira página, que vai junto. A segunda eu rasguei. A terceira eu não acabei, vai junto também. Hoje recebi uma carta do Paulo, dizendo que não tinha mandado até agora a resposta dele. Positivamente somos uns cachorros irremediáveis. Você por favor não ligue para isso não. Pode ter certeza de que não te esquecemos." (...)

Fernando Sabino

Nova York, 17 de setembro de 1946
Clarice,
(...)"Como eu já disse, gostei muito do seu conto: admiravelmente bem escrito, não falta nada nem sobra nada. Se permite duas ou três sugestões: onde você fala primeira vez que o homem carregava um saco, sugiro que diga saco de linhagem, ou de pano etc... "... tirou a pá do saco" me soa desagradável. Parece que não há mais nada. É em verdade um conto tão bonito, Clarice, um conto que só se escreveria na Europa, na Suíça. Por ele posso perceber uma coisa muito importante do conto: que você está escrevendo bem, com calma, estilo seguro, sem precipitação. Talvez porque agora você já não esteja sofrendo muito: o que é preciso é sofrer bem: é uma diferença bem importante, para a qual o Mário sempre me chamava a atenção. A gente sofre muito: o que é preciso é sofrer bem, com discernimento, com classe, com serenidade de quem já é iniciado no sofrimento. Não para tirar dele uma compensação, mas um reflexo. É o relexo disso que vejo no seu conto, você procura escrever bem, e escreve bem. Me deu vontade de enunciar um trísmo: "O problema para quem escreve é antes de tudo um problema literário." Álvaro Lins.

Fernando Sabino

Correspondências inclui 129 cartas, que cobrem quatro décadas da vida de Clarice, dos anos 1940 até pouco antes da morte da autora, ocorrida no Rio de Janeiro em 1977. Entre seus correspondentes estão o marido, Maury Gurgel Valente, os amigos Lúcio Cardoso, Bluma Wainer e Fernando Sabino, com com manteve uma rica e frutuosa correspondência, até trocas mais pontuais.

Berna, 19 de junho de 1946 - quarta-feira
Fernando,
Sua carta me surpreendeu tanto! Eu tive a impressão de ter caído numa coisa assim: de jogar verde para colher maduro ou de ir buscar lã tosquiada, ou dois e dois são quatro - eu escrevi para vocês no Rio, na sua casa, e você me responde de Nova York.

Clarice

Berna, 13 de outubro de 1946
Fernando,
(...)"Talvez seja orgulho querer escrever, você às vezes não sente que é? A gente deveria se contentar em ver, às vezes. Felizmente tantas outras vezes não é orgulho, é desejo humilde. Enquanto isso, estou me divertindo tanto quanto você não pode imaginar: comecei a fazer uma "cena" (não sei dar o nome verdadeiro ou técnico); uma cena antiga, tipo tragédia idade média, com... coro, sacerdote, povo, esposo, amante..."

Clarice

As cartas eram o contacto de Clarice com o mundo e a necessidade de se manter viva. Por este motivo Clarice dava ênfase a sua necessidade de respostas. Verdadeiros poemas ao longo da ordem cronológica que o livro Correspondências vai sendo apresentado pode ser captado o crescimento interior de Clarice, como a paciência foi um mestre em sua vida de eterna poesia e carinho com o próximo. O livro é um retrato da trajetória biográfico-literária, do contexto cultural e sociopolítico da época atingido através de sua correspondência com escritores, artistas, intelectuais e familiares, seus amigos.

Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, pequena cidade da Ucrânia, e chegou ao Brasil aos dois meses de idade, naturalizando-se brasileira posteriormente. Criou-se em Maceió e Recife, transferindo-se aos dozes anos para o Rio de Janeiro, onde se formou em Direito, trabalhou como jornalista e iniciou sua carreira literária. Viveu muitos anos no exterior, em função do casamento com um diplomata brasileiro, teve dois filhos e faleceu em dezembro de 1977.

Encerro com Sabino e o interessante texto:

"Só de pensar que você estará lendo esta carta muitos dias depois de ter sido escrita me dá vontade de não mandar. Mas mando, isso é uma desonestidade. Você nos escreveu há um mês. Juro que não faço mais isso, fiz só da primeira vez, agora não faço mais. Me escreva que responderei imediatamente. Como vai indo o seu livro? O que é que você faz às três horas da tarde? Quero saber tudo, tudo. Você tem recebido notícias do Brasil? Alguém mais escreveu sobre o seu livro? É verdade que a Suíça é muito branca? Você mora numa casa de dois andares ou de um só? Tem cortina na janela? Ou ainda está num hotel? Oh, meu Deus, Seminarstrasse será simplesmente um hotel? Qual é o cigarro que você está fumando agora? Pipocas, Fernando (14)!"

14 - Referência a sua predileção por pipocas, que a levou um dia a me assustar com esta incontida exclamação de alegria infantil, ao passarmos no meu carro em Copacabana diante de um pipoqueiro.

Demais!

Lispector, Clarice, 1920-1977 - Correspondências / Clarice Lispector; organização de Teresa Montero - Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Gosto muito do pôr-do-sol. Vamos ver um...



(Pág. 26, SAINT-EXUPÉRY, Antoine de - O Pequeno Príncipe)

Imagem: Inverno - Praia Campista - Macaé (RJ) - Brasil

domingo, 1 de agosto de 2010

Drauzio Varella - A Teoria das Janelas Quebradas



A Teoria das Janelas Quebradas, livro desenvolvido pelo médico Drauzio Varella, autor do livro "Estação Carandiru", tem um tema que me atrai, por ser presente cada vez mais em nossas vidas comuns neste contemporâneo século. Conheci o Dr. Drauzio em uma palestra. Cativante. Arrisquei uma pergunta, excessão em minha rotina. A do colega foi mais angustiante, sobre ambiente confinado e a "garantia" que se pode ter. Engraçado o comandante de um navio desejar "garantia" de sua integridade física. Não seria o contrário? Voltando ao ambiente seguro, da palestra, tive a oportunidade de trocar poucas palavras com o Dr. Drauzio e comprovado o jeito meigo, profundo, brincalhão, sabedoria que se ganha com o tempo.

Falar em violência passa antes pela casa da educação. Que cidadão tem sido formado? Aqueles que conseguem atingir um nível de aprendizagem eficaz, técnica, por vezes, (veja bem, digo aprendizagem, não sinônimo de conhecimento) estão em um patamar diferenciado da fatia do bolo social que por ter uma base excluída do processo de leitura não estarão nos bancos federais de ensino. A universidade federal é atingida por aqueles que conseguem pagar cursos preparatórios onde muitas vezes a família acaba por se sacrificar para ver as futuras gerações longe da servidão do trabalho. Galgar o ensino federal sem um pré-vestibular é excessão mas possível somente para aqueles que tem determinação, meta e visão ampla de onde se quer chegar, abrindo mão das alegrias fartas da juventude para colher na maturidade, estabilidade financeira embora muitas vezes dissociada de tranquilidade social. Uma minoria o consegue, pois que a maioria não atinge nível elementar de leitura, isto quando ocorre na prática a alfabetização tendo que conviver em um mundo cada vez mais conectado onde aprendizagem se estabelece por atrativos programas cada vez mais potentes.


Imagem: IFF (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense) - Macaé - RJ - Brasil

Vejo que o assunto passa longe dos literalmente excluídos moradores de rua. E a violência, onde passa? Não passa, está presente, indissociável do humano. A globalização gera distorções sociais cada vez mais significativas e a violência tem sido uma destas discrepâncias mais visível.

Seleção de crônicas publicadas na Folha de S. Paulo ao longo de dez anos, este volume traz a voz ponderada, a graça narrativa e a sabedoria sem artifícios de Drauzio Varella. O cardápio é variado, incluindo desde histórias engraçadas de adultério, reflexões sobre o crime, temas atuais de ciência e medicina, até questões sociais, sempre abordadas pelo autor com seu olhar atento para os dramas humanos. Por exemplo:

As pequenas [tragédias], no entanto, graças à repetição diária sob nosso olhar complacente, acabam por anestesiar a compaixão pelo outro e tornam banal a convivência com o sofrimento alheio.

A gravidez fortuita, fruto da falta de acesso aos métodos de contracepção [...], colabora decisivamente para o aumento da criminalidade.


Sumário:
Um chope gelado
Conversa de botequim
O sobrevivente
As leis do Crime
Luizão, o bem-amado
Na catraca do metrô
Noite inesquecível
O homem que virou santo
O negociador
Paulo Preto
Seu Araújo
Solidão bandida
Homens que são mulheres
Vida de ladrão
Um vulto de mulher
A moça do avião
Uma rua em Hanói
A sabedoria do velho Tibúrcio
Viagem ao passado
Seu Nicola
O taxista
Coração amargurado
Sete Dedos, Meneghetti, Promessinha
Acontecimentos Inesquecíveis
Os sabiás de São Paulo
Salva de palmas
De pernas para o ar
Armadilhas cibernéticas :) , entre outras.

São crônicas deliciosas, discretamente educativas que nos aproximam nas possíveis 'vinganças' que arquitetamos para não sermos escravos da tecnologia, ou da rotina que quer nos englobar comendo vorazmente nosso tempo e paciência. Ensina com dose de humor camuflado, a rirmos de nós mesmos. Melhor que isto, impossível.

Varella, Drauzio - A Teoria das janelas quebradas : crônicas / Drauzio Varella. - São Paulo : Companhia das Letras, 2010.
www.companhiadasletras.com.br

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