Variações sobre o Prazer - Rubem Alves
[Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette]
"Morre e transforma-te"
(Goethe)
"A cobra que não consegue livrar-se de sua casca morre. O mesmo acontece com os espíritos que são impedidos de mudar as suas opiniões; eles deixam de ser espírito."
Feliz por saber que não sou a única que vê a vida como um quebra-cabeça de peças mal encaixadas. Assim inicia o autor a definir um projeto que despretenciosamente tentou fazer na aposentadoria e deixar com carinho aos amigos e leitores: escrever um livro. Explica no primeiro capítulo o 'Por que não consegui terminar o livro', fazendo uma bela referência a insistência que o ser humano tem de por meta para seus anseios como se ao final, ao alcançá-los, houvesse a tão esperada felicidade e a surpresa de que na vida o caminhar é o sentido melhor de que possamos levar da vida pois é o momento do 'estar feliz' quando nos permitimos apreciar a paisagem.
A poesia nos torna mais sábios, retirando-nos do torvelinho agitado com que a confusão da vida nos perturba. Drummond, escrevendo sobre Cecília Meireles, disse: "Não me parecia criatura inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos. Por onde erraria a verdadeira Cecília, que, respondendo à indagação de um curioso, admitiu ser seu principal defeito "uma certa ausência do mundo"? Do mundo como teatro, em que cada espectador se sente impelido a tomar parte frenética no espetáculo, sim; mas não, porém, do mundo das essências, em que a vida é mais intensa porque se desenvolve em um estado puro, sem atritos, liberta das contradições da existência".
"Pois é isso que a poesia faz: ela nos convida a andar pelos caminhos da nossa própria verdade, os caminhos em que mora o essencial. Se as pessoas soubessem ler poesia é certo que os terapeutas teriam menos trabalho e talvez suas terapias se transformassem em concertos de poesia!"
Lógico que a vida nunca é terminada, assim o autor constrói o livro que entitula interminável, com capítulos que se denominam "Contra o método". O livro fala da necessidade (Eliot bem o relatou) de se desfazer na vida do 'fazer, fazer, fazer': "Uma ostra feliz não produz", seu livro que o diga...
"Sou esse intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim..."
(Fernando Pessoa - [Álvaro de Campos] Obra poética, p. 413)
Fala do prazer de vivermos com os 'pequenos' prazeres, como cuidar de um jardim, ouvir uma música, reler um livro pois muitas vezes a novidade não agrega valor a felicidade. Segundo Eliot:
"E ao final de nossas longas explorações chegaremos finalmente ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez..."
Sem prazer não se vive... transforma-se em um morto ambulante. A narrativa de Rubem Alves é exatamente assim, fragmentada, com a percepção de que estamos juntos a construir estas páginas mas buscando a sapiência não confundida com a ciência do conhecimento, tão comum nos dias atuais. Onde se encontra a sabedoria, pergunta o autor? Ausente, responde. Não é saber científico. Não pode ser mensurada. Poucos poetas perceberam que a sabedoria foi enterrada pelos saberes. Manoel de Barros o disse:
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os saibás divinam.
[...]
(Manoel de Barros - Livro sobre nada, pp. 53,68).
Sábio é o que adivinha.
A Áquila paira no topo dos Céus,
O Órion, com seus cães, percorre o seu circuito.
Ó revolução perpétua de estrelas fixas,
Ó eterno retorno das mesmas estações,
Ó mundo de primavera e outono, de nascer e morrer!
O círculo sem fim de ideia e ação,
De invenão sem fim, de experimentação sem fim,
Traz conhecimento do movimento, mas não da tranquilidade;
Conhecimento da língua mas não do silêncio;
Conhecimento de palavras, e ignorância da Palavra.
Todo o nosso conhecimento nos leva mais próximos da
nossa ignorância,
Toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte,
Mas uma proximidade da morte que não é a proximidade
de Deus.
Onde está a vida que perdemos no viver?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
O círculos dos Céus em vinte séculos
Levam-nos para mais longe de Deus e para mais perto
do pó.
(The Complete Poems and Plays, p. 96, minha tradução).
Muito bonito o que Rubem Alves diz sobre consciência: uma superfície que reflete como um espelho as nuvens, o céu, as árvores, os pássaros, local onde vive os saberes. Saberes são reflexos do que existe lá fora, no mundo. Mundo... reflexo, tão somente.
Bem, o livro resgata o prazer desde os promordiais tempos em que Deus fez os Jardins do Éden e simplesmente deixou-se contemplar. Falta ao homem viver esta contemplação em vida, este gozo no viver. Simplesmente adorar, por puro prazer.
Sempre que leio Rubem Alves (aqui Do Universo à Jabuticabeira) consigo imaginá-lo debruçado quase perdido sobre uma pilha de livros a escolher a melhor citação, o melhor trecho. Bem autêntico! Um homem especial, que bem soube encaixar a literatura à vida, aos amigos, ao mundo, levando leveza, poesia... transformou a literatura em um imenso prazer que bem soube gozar (ou goza) em vida.
Comprei! Lendo e adorando ...
ResponderExcluirAdriana, é um livro interessante!
ResponderExcluirObrigada pela visita.
eu sou uruguaio e gostaria de leer, sabe como posso conseguirlo?.. aquim nao esta
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