sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Rubem Alves - Variações sobre o Prazer

Variações sobre o Prazer - Rubem Alves
[Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette]

"Morre e transforma-te"
(Goethe)

"A cobra que não consegue livrar-se de sua casca morre. O mesmo acontece com os espíritos que são impedidos de mudar as suas opiniões; eles deixam de ser espírito."

Feliz por  saber que não sou a única que vê a vida como um quebra-cabeça de peças mal encaixadas. Assim inicia o autor a definir um projeto que despretenciosamente tentou fazer na aposentadoria e deixar com carinho aos amigos e leitores: escrever um livro. Explica no primeiro capítulo o 'Por que não consegui terminar o livro', fazendo uma bela referência a insistência que o ser humano tem de por meta para seus anseios como se ao final, ao alcançá-los, houvesse a tão esperada felicidade e a surpresa de que na vida o caminhar é o sentido melhor de que possamos levar da vida pois é o momento do 'estar feliz' quando nos permitimos apreciar a paisagem.

A poesia nos torna mais sábios, retirando-nos do torvelinho agitado com que a confusão da vida nos perturba. Drummond, escrevendo sobre Cecília Meireles, disse: "Não me parecia criatura inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos. Por onde erraria a verdadeira Cecília, que, respondendo à indagação de um curioso, admitiu ser seu principal defeito "uma certa ausência do mundo"? Do mundo como teatro, em que cada espectador se sente impelido a tomar parte frenética no espetáculo, sim; mas não, porém, do mundo das essências, em que a vida é mais intensa porque se desenvolve em um estado puro, sem atritos, liberta das contradições da existência".

"Pois é isso que a poesia faz: ela nos convida a andar pelos caminhos da nossa própria verdade, os caminhos em que mora o essencial. Se as pessoas soubessem ler poesia é certo que os terapeutas teriam menos trabalho e talvez suas terapias se transformassem em concertos de poesia!"

Lógico que a vida nunca é terminada, assim o autor constrói o livro que entitula interminável, com capítulos que se denominam "Contra o método". O livro fala da necessidade (Eliot bem o relatou) de se desfazer na vida do 'fazer, fazer, fazer': "Uma ostra feliz não produz", seu livro que o diga...

"Sou esse intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim..."
(Fernando Pessoa - [Álvaro de Campos] Obra poética, p. 413)

O autor fala de escolha pois não podemos ter tudo. Não poderei escutar todas as músicas que desejo, não poderei ler todos os livros que desejo, não poderei abraçar todas as pessoas que desejo. É necessário aprender a arte de "abrir mão" - a fim de nos dedicarmos àquilo que é essencial.

Fala do prazer de vivermos com os 'pequenos' prazeres, como cuidar de um jardim, ouvir uma música, reler um livro pois muitas vezes a novidade não agrega valor a felicidade. Segundo Eliot:

"E ao final de nossas longas explorações chegaremos finalmente ao lugar de onde partimos e o conheceremos então pela primeira vez..."

Sem prazer não se vive... transforma-se em um morto ambulante. A narrativa de Rubem Alves é exatamente assim, fragmentada, com a percepção de que estamos juntos a construir estas páginas mas buscando a sapiência não confundida com a ciência do conhecimento, tão comum nos dias atuais. Onde se encontra a sabedoria, pergunta o autor? Ausente, responde. Não é saber científico. Não pode ser mensurada. Poucos poetas perceberam que a sabedoria foi enterrada pelos saberes. Manoel de Barros o disse:

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá
mas não pode medir seus encantos.
Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os saibás divinam.
[...]
(Manoel de Barros - Livro sobre nada, pp. 53,68).

Sábio é o que adivinha.

A Áquila paira no topo dos Céus,
O Órion, com seus cães, percorre o seu circuito.
Ó revolução perpétua de estrelas fixas,
Ó eterno retorno das mesmas estações,
Ó mundo de primavera e outono, de nascer e morrer!
O círculo sem fim de ideia e ação,
De invenão sem fim, de experimentação sem fim,
Traz conhecimento do movimento, mas não da tranquilidade;
Conhecimento da língua mas não do silêncio;
Conhecimento de palavras, e ignorância da Palavra.
Todo o nosso conhecimento nos leva mais próximos da
nossa ignorância,
Toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte,
Mas uma proximidade da morte que não é a proximidade
de Deus.
Onde está a vida que perdemos no viver?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
O círculos dos Céus em vinte séculos
Levam-nos para mais longe de Deus e para mais perto
do pó.

(The Complete Poems and Plays, p. 96, minha tradução).

Muito bonito o que Rubem Alves diz sobre consciência: uma superfície que reflete como um espelho as nuvens, o céu, as árvores, os pássaros, local onde vive os saberes. Saberes são reflexos do que existe lá fora, no mundo. Mundo... reflexo, tão somente.

Bem, o livro resgata o prazer desde os promordiais tempos em que Deus fez os Jardins do Éden e simplesmente deixou-se contemplar. Falta ao homem viver esta contemplação em vida, este gozo no viver. Simplesmente adorar, por puro prazer.

Sempre que leio Rubem Alves (aqui Do Universo à Jabuticabeira) consigo imaginá-lo debruçado quase perdido sobre uma pilha de livros a escolher a melhor citação, o melhor trecho. Bem autêntico!  Um homem especial, que  bem soube encaixar a literatura à vida, aos amigos, ao mundo, levando leveza, poesia... transformou a literatura em um imenso prazer que bem soube gozar (ou goza) em vida.

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