sábado, 12 de outubro de 2013

Gógol

Gógol

1809 - Em 19 de março, nasce na província de Poltava, Ucrânia, Nicolai Vassílievitch Gógol, filho de Vassíli Afanássievitch Gógol-Ianóvski e Maria Ivanovna.
1820 - É enviado ao liceu de Poltava, juntamente com seu irmão Ivan.
1821 - Morre seu irmão Ivan. É enviado para o liceu de Niêjin.
1825 - Morre o pai de Gógol.
1826 - Dirige A Estrela, revista elaborada pelos alunos do liceu de Niêjin.
1828 - Parte para a capital da Rússia, São Petersburgo, em companhia do amigo Danilévski.
1829 - Publica o poema Hans Kuchelgarten, sob o pseudônimo de V. Alov. Parte para a Alemanha em agosto. Em setembro reTorna a São Petersburgo.
1831 - Publica o conto A Noite de São João na revista mensal Letras Patrióticas. Em março passa a lecionar no Instituto Patriótico das Jovens Nobres. Em julho conhece o poeta Púchkin. Em setembro publica o primeiro volume de Noites na Fazenda perto de Dikanka.
1832 - Viaja para sua terra natal.
1834 - É nomeado professor-adjunto de História na Universidade de São Petersburgo.
1835 - Publica Arabescos e Mirgórod. Escreve O Inspetor Geral e começa Almas Mortas.
1836 - Estréia da peça O Inspetor Geral. Em junho parte para o exterior com o amigo Danilévski.
1842 - Publica Almas Mortas (*). Dá início ao segundo volume dessa obra.
1843 - Queima pela primeira vez manuscritos da segunda parte de Almas Mortas (*).
1846 - Começa a publicar Extratos de uma Correspondência.
1847 - Publica Confissões de um Autor.
1848 - Em janeiro viaja para a Terra Santa Chega a Jerusalém em 18 de fevereiro.
1849 - Termina de escrever a segunda parte de Almas Mortas.
1852 - Queima todos os seus manuscritos. Morre em 21 de janeiro.


(*) Almas Mortas
Publicado em 1842, Almas Mortas conta a história de um aventureiro que compra, a baixo preço. os camponeses russos mortos desde o último censo, mas ainda vivos nas listas do fisco. Uma trapaça que permite traçar um panorama da vida da província e um esboço do homem russo por inteiro, pelo seu lado negativo. Gógol iniciou um segundo volume de Almas Mortas, mas em um momento de angústia acabou queimando os manuscritos. Alguns anos depois retoma a continuação da obra e a conclui, mas pouco antes de morrer queima novamente os originais.


Amanhece em São Petersburgo. Acordado de seus sonhos, Nicolai Vassílievitch Gógol esfrega os olhos, passa água sobre o rosto e sente o impacto do primeiro dia na  capital. Corre até a janela para olhar o Nieva. Mas não há Nieva algum. Olha para Danilévski, que ainda dorme, para todos os cantos do pequeno quarto, e não pode conter a sensação de um ódio inexplicável. Nada é como imaginava.
No dia seguinte e nos outros será a mesma coia. Aquela sensação de perplexidade o acompanhará pelas ruas cheias de marasmo. E estará com ele quando voltar para casa, conversar com Dnailévski, olhar para o lugar onde deveria estar o rio Nieva e escrever para sua mãe.

O pai, Bassíli Afanássievitch Gógol-Ianósvki, falecido em 185, tinha sido um proprietário qeu empregava mais de cem "almas" - assim eram chamados os servos. A mãe, Maria Ivánovna, amava o marido e os filhos de maneira apaixonada. Era uma mulher de extraordinária sensibilidade. Transmitiu ao pequeno Gógol sua personalidade contraditória e um intenso sentimento religioso que o levaria ao misticismo.

Já na infância aconteciam coisas que o deixavam perdido entre a fé e o temor. muitas vezes ouvia vozes que chamavam seu nome - segundo crenças populares, isso significava presságio de morte. Então ele fugia e procurava alguém que pudesse protegê-lo. Quando as vozes o deixavam, sorria e encarava o mundo com coragem e felicidade.

Seu mundo começou no dia 19 de março de 1809, na província de Poltava, Ucrânia. Um universo fantástico bem maior que a paisagem estranhamento dividida: de um lado, enormes áreas desocupadas; de outro, grandes glebas de terra pertencentes a poucos proprietários. Para servi-los havia as "almas", que com seu suor semeavam a terra, sem nunca possuí-la.

Desde menino ouvia as canções do folclore russo, ia às feiras, assistia aos teatrinhos de fantoches, escutava lendas e fábulas e aos poucos, assimilava o modo de pensar de seu povo.

Em 1820 foi enviado ao liceu de Poltava, junto com seu irmão Ivan. Com as férias de verão vieram também os ventos  misteriosos que carregaram a vida de Ivan. Ficou sem saber o significado da vida e da morte, perdido entre o luto as lágrimas e o vazio.

Em 1821 Gógol seguiu para o liceu de Niêjin levando uma bagagem de sentimentos conturbados. Talvez por isso nunca tenha se integrado de fato aos colegas e professores. Após a morte do pai, parecia que nada mais havia a fazer em Niêjin. Gógol começou então a sonhar com São Petersburgo. Quando deixou Niêjin, em 1828, viveu durante seis meses com a mãe e os irmãos. Depois partiu para a capital em companhia do amigo Danilévski.

Gógol sabia que como simples escriturário nunca poderia realizar seus projetos. O emprego serviria apenas para satisfazer às necessidades mais urgentes, e logo percebeu que o salário não bastaria para fazê-lo sobreviver, e acabou pedindo ajuda à mãe.

Na verdade, ele já havia feito algumas tentativas de manter-se por si mesmo. Em 1829 publicou Hans Kuchelgarten. O poema, assinado com o pseudônimo de V. Alov, refletia as primeiras influências literárias. Contudo, a obra era inferior à produção dos poetas médios da época. A crítica reagiu de forma tão negativa que Gógol, tomado de desespero, correu às livrarias, recolheu os exemplares ainda existentes, levou-os para casa e queimou-os.

A essa experiência seguiu-se uma enorme angústia, que o fez partir para o exterior no primeiro navio que encontrou. Em agosto chegou à Alemanha; em setembro estava de volta a São Petersburgo, em péssima situação financeira. Mais tarde conseguiu emprego e foi morar com dois amigos.

Enquanto ia sobrevivendo apertadamente, o jovem Gógol prestava atenção no rumo que as coisas tomavam em seu país. Os intelectuais revelavam crescente preocupação com os problemas do povo russo, sobretudo com o analfabetismo da maior parte da população.

Reprimidos pela censura, tendo universidades e jornais sufocados por inspeções militares, os intelectuais viam a literatura como único meio de divulgar idéias novas. Assim, foi a partir de 1830 que a literatura russa conseguiu suas primeiras vitórias, apesar das repressões.

Essa mudança abriu novas perspectivas a Gógol, que passou a colaborar na revista Letras Patrióticas. Seu primeiro conto, A Noite de São João, saiu em fevereiro de 1831. Foi o suficiente para fazê-lo trabalhar intensamente em sua nova obra. Noites na Fazenda perto de Dikanka. Em março abandonou o emprego burocrático para dar aulas no Instituto Patriótico das Jovens Nobres.

Em julho desse mesmo ano conheceu o poeta Púchkin e, durante um mês, encontraram-se todos os dias. Púchkin não havia lido nada do jovem estreante; depois de alguns contato, percebeu-lhe a inexperiência, o espírito conturbado, a cultura deficiente. Mas também descobriu a maior característica literária de Gógol: saber mostrar como ninguém a superficialidade do homem vulgar.

Ainda em setembro desse ano, Gógol - agora quase um discípulo de Púchkin - publicou o primeiro volume de Noites na Fazenda perto de Dikanka. O segundo volume da obra, publicado em março de 1832, repetiu o êxito anterior. A obra é uma coleção de contos sobre os costumes populares de sua terra que se destaam o humor fantástico e a superstição.

Logo no início de abril Gógol resolveu visitar a terra natal, onde passou seis meses.

Em outubro retornou a São Petersburgo, levando consigo as irmãs, que iam estudar no Instituto Patriótico. Sentiu-se um pouco triste, angustiado, alguns dias após a chegada. Faltava-lhe inspiração. E assim passou todo o ano de 1833, queixando-se aos amigos sobre sua falta de imaginação.

Precisava atirar-se a uma obra que exigisse todos o seu potencial. Talvez uma História Universal em oito ou nove volumes. Mas para escrevê-la necessitava de maiores conhecimentos e de experiências mais intensas, que só conseguiria dando aulas. Em julho de 1834 obteve uma vaga de professor-adjunto na Universidade de São Petersburgo. No entanto apenas sua primeira aula causou boa impressão, pois as seguintes demonstraram claramente que ele havia esgotado todo seu conhecimento e todas suas idéias na aula de estréia.

No fim desse ano, consciente de seu fracasso Gógol demite-se. Mas não recaiu nas crises de angústia. Ao contrário, logo no início de 1835 pôs-se a trabalhar com vontade: em fevereiro sai o volume Arabescos, que reuniu dados biográficos, conferências e os contos A Perspectiva Nevski, Diário de um Louco e O Retrato. A mesma série de contos ambientados em São Petersburgo pertencem O Nariz, de 1835, e O Capote, de 1842, possivelmente inspirado nas experiências do escritor como frustrado funcionário público. O Nariz é a história de um homem que acorda e sente falta de seu nariz. O tema irreal e humorístico oculta um significado bastante verdadeiro, a perda da segurança cotidiana provocada por uma situação inesperada.

O Capote conta a história de um modesto funcionário que, com enorme sacrifício, consegue economizar dinheiro para comprar um capote. Porém a vestimenta logo é roubada. Vítima de um destino infeliz, ele adoece e morre. Seu fantasma passa a roubar capotes durante a noite.

Em março de 1835 foi publicado Mirgórod, coletânea de contos de inspiração popular com sabor humorístico. Dentre todos, o conto que recebeu a melhor acolhida por parte do público foi Taras Bulba, escrito nos padrões de uma novela histórica. Ainda nesse ano nasceu O Inspetor Geral, que sairia em 1836, e começou a elaborar Almas Mortas. Ainda em 1835 Gógol retornou à universidade. Queria fazer mais uma tentativa de firmar-se como professor e, ao mesmo tempo, prosseguir nos estudos que lhe possibilitariam escrever sua volumosa História Universal. Em dezembro desse ano demitiu-se de novo, abandonando para sempre o magistério e a obra histórica.

No ano seguinte, sua maior preocupação foi montar a comédia O Inspetor Geral, que estreou em abril. As opiniões do público e da crítica dividiram-se, embora ninguém tivesse percebido mais que o significado aparente da peça.

Gógol, que só prestava atenção ás críticas negativas, mergulhou novamente em crises de angústia. Em 6 de jnho de 1836 deixou São Peterburgo acompanhado de Danilé-vski. Após ter passado um longo período viajando pela Alemanha, França e Suíça, Gógol chegou a Roma em maro de 1837. Na bagagem levava os primeiros capítulos e Almas Mortas, sua obra mais importante.

Embora estivesse ainda muito abatido, pôs-se a trabalhar com afinco. Distante de seu país, as coisas lhe pareciam mais claras. Estava quase alcançando o equilíbrio emocional quando recebeu uma notícia que o deixou totalmente prostrado: o poeta Púchkin acabara de morrer num duelo. Gógol pensava apenas em morrer. Deitava-se na cama e ficava esperando a morte. E ela não chegava. Quando terminou o ano de 1838, levantou-se do leito e procurou encarar a vida com novo lento. Foi com esse ânimo que Jukóvski o encontrou no início de 1839. Gógol ficou  sabendo que suas irmãs haviam deixado o Instituto Patriótico e estavam precisando de emprego. Ajudado pelo amigo, retornou à Rússia poucos meses depois.

Chegou a Moscou em setembro, apreensivo e triste. Não se demorou na cidade. Poucos dias depois, tomou o caminho de São Petersburgo. Lembranças sombrias assaltaram-no. Sentiu que não poderia ficar ali por muito tempo. Mas não tinha recursos para lançar-se a nova viagem. Os amigos compadeceram-se dele. Poetas, romancistas, sonhadores, todos reuniram suas minguadas economias, e, ao fim de alguns messes, entregaram-lhe uma pequena fortuna: 4.000 rublos. Em junho de 1840 Gógol estava outra vez em Roma, bem longe dos críticos e dos nevoeiros russos.

Novamente foi tomado por presságios de morte. Depois de uma fase de crises respiratórias e distúrbios cardíacos, mandou chamar um padre, certo de que fosse morrer. Mas sobreviveu, e passou a acreditar que Deus o ressuscitara. Em agosto de 1841 viajou para a Rússia com o manuscrito completo de Almas Mortas. Seu estado nervoso, já bastante grave, piorou quando teve de enfrentar a censura, que pretendia fazer enormes cortes em seu livro. As objeções começavam pelo título, que, segundo os censores, ridicularizava o dogma cristão da imortalidade da alma. Apesar de todos os contratempos, a obra foi publicada graças à intervenção de alguns amigos.

Almas Mortas e um retrato fiel da Rússia da época, quando ainda reinava o regime de servidão. Os bens de um proprietário eram avaliados pela quantidade de "almas" (servos) que ele possuía e pelas quais pagava um imposto. O poeta Púchkin sugeriu ao escritor a seguinte situação: um esperto proprietário compra as "almas" mortas por um preço baixo e hipoteca-as como vivas, com grande lucro. Gógol aproveitou a idéia para levar o leitor a uma viagem por toda a Rússia, descrevendo as condições do povo.

Preocupado com a impressão negativa do povo russo que sua obra transmitia, Gógol decidiu escrever mais dois livros, nos quais os personagens seriam reabilitados.Em 1843 iniciou o segundo volume da obra. Todavia, acometido de uma de suas crises, queimou os manuscritos.

Emocionalmente, sobrevivia equilibrando-se numa tênue linha, cercado por medo, calafrios e angústias. Em 1846 começou a publicar Extratos e uma Correspondência, que provocou nos leitores e críticos uma reação bastante desfavorável. Era a primeira vez que um escritor se abria com tanta sinceridade. Mas essa honestidade, para a Rússia da época, significava escândalo.

Gógol já não sabia o que fazer. No ano seguinte publicou Confissões de um Autor, em que expressou seus protestos contra as críticas que vinha sofrendo. De nada adiantou. Todos estavam contra ele: amigos, inimigos, políticos, revolucionários, liberais, moderados, a família imperial e os literatos.

Suas crises tornaram-se cada vez mais violentas. Em janeiro de 1848 partiu para a Terra Santa. De retorno á Rússia, pôs-se a peregrinar pelo interior do país. Procurava conhecer melhor seu povo para dar continuidade a sua obra. Finalmente, em 1849 concluiu a segunda parte de Almas Mortas.

Já fazia algum tempo que o escritor estava estreitamente ligado ao padre Mateus Konstantinóvski, que professava a negação da Vida, da Arte e do Homem Criador. Gógol tentava resistir a suas influências, mas, cansado de lutar, passou a aceitar a ideia da morte como uma senda de salvação. Não só desistiu de publicar o livro como resolveu destruí-lo. Na noite de 11 de fevereiro de 1852 acordou o criado e mandou-o queimar os manuscritos. Depois caiu de cama e ficou inerte, esperando a chegada da morte. Deixou de se alimentar e de ingerir qualquer remédio, dizendo: "É preciso que vocês me deixem, porque sei que devo morrer". Em 21 de fevereiro, por fim, cumpriram-se os presságios.

Fonte: coleção obras-primas - grandes autores - vida e obra.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Eça de Queirós

Eça de Queirós
1845 - Nasce em 25 de novembro, em Póvoa de Varzim, Portugal, José Maria Eça de Queirós, filho de José Maria Almeida Teixeira de Queirós e Carolina Augusta Pereira de Queirós.
1849 - Em 3 de setembro seus pais se casam. Eça é entregue aos avós paternos, após viver na casa de sua ama até os quatro anos de idade.
1855 - É matriculado no Colégio da Lapa, na cidade do Porto.
1861 - Eça de Queiróz faz o preparatório para ingressar no curso de Direito na Universidade de Coimbra.
1865 - Trava conhecimento com Antero de Quental, deflagrador da Questão Coimbrã.
1866 - Eça forma-se em Direito e vai para a casa paterna, em Lisboa. Participa das reuniões do Cenáculo. Funda e dirige o jornal de oposição O Distrito de Évora.
1871 - Realizam-se as Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense, logo proibidas pelo governo.
1872 - O escritor é nomeado cônsul nas Antilhas espanholas.
1874 - É transferido para o consulado de Newcastle-on-Tyne, na Grã-Bretanha.
1875 - Publica O Crime do Padre Amaro.
1878 - Assume o consulado de Bristol, também na Grã-Bretanha. Publica O Primo Basílio.
1880 - Publica O Mandarim.
1886 - Casa-se com Emília de Castro Pamplona, filha de seu amigo conde de Resende.
1887 - Publica A Relíquia. Nasce sua filha, Maria de Castro d´Eça de Queiróz.
1888 - Graças à influência política de seu amigo Oliveira Martins, é nomeado cônsul em Paris. Nasce o filho José Maria d´Eça de Queirós. Publica Os Maias.
1889 - Integra o grupo Vencidos da Vida. Fundo a Revista de Portugal, pela qual publica Correspondência de Fradique Mendes. Nasce o filho Antônio d´Eça de Queirós. 
1891 - Traduz As Minas do Rei Salomão.
1894 - Nasce o último filho, Alberto d´Eça de Queirós.
1900 - Publica A Ilustre Casa de Ramires. Eça de Queirós morre em Paris, em sua casa de Neuilly.
1901 - Publicação póstuma de A Cidade e as Serras (*).
1925 - Publicação póstuma de A Capital.


(*) A Cidade e as Serras
Romance publicado postumamente, A Cidade e as Serras é uma magnífica crítica dos tempos "modernos", uma sátira ao culto da tecnologia. 
Um dos maiores escritores de língua portuguesa de todos os tempos, Eça de Queiroz retrata com elegância o estilo de vida que anuncia o século XX contrapondo o estilo de vida em Paris, mais requintado, às virtudes da vida rural portuguesa.


Sob o reinado de D. Maria II, que começará a reinar em 1834, aos quinze anos, Portugal atravessa um período político conturbado; revolução, insurreição, golpe de Estado, guerra civil.

Nesse período, em 25 de novembro de 1845, nasce em Póvoa de Varzim José Maria Eça de Queirós, cujos pais, Carolina Augusta Pereira de Queirós e dr. José Maria Almeida Teixeira de Queirós, não são oficialmente casados. O casamento só ocorreria quatro anos depois.

O menino não fica em sua terra natal. É levado à Vila do Conde para viver na casa de uma ama: a costureira Ana Joaquina Leal de Barros, com quem permaneceria até 1849.

Seu pai tenta ocultar as circunstâncias do nascimento do filho, por temer a censura oficial e para evitar problemas à manutenção de seu cargo público - de magistrado. Eça não convive também com seus irmãos, pois aos quatro anos de idade é transferido para a casa de seus avós paternos, onde viveria até 1855.

Aos dez anos é matriculado no Colégio da Lapa, na cidade do Porto. Aluno interno, tem como professor Joaquim da Costa Ramalho (pai do escritor Ramalho Ortigão, que se tornaria seu grande amigo). Em 1861, com dezesseis anos de idade, transfere-se para Coimbra e começa o curso preparatório para o ingresso na faculdade de Direito. Tímido e sensível, inicia-se na vida boêmia e romântica da cidade. Conhece, então, alguns moços que revolucionam as letras e a política portuguesa: Antero de Quental, Germano Meireles, Alberto Sampaio, Teófilo Braga. Na universidade é um aluno apagado, mas toma gosto pelo teatro estudantil, especializando-se na interpretação de um pai nobre nas várias peças de que participa.

Quanto ao resto, permanece à margem: aprecia apenas de longe a Questão Coimbrã (1865), uma ruidosa polêmica literária que acaba por envolver os principais escritores do país, entre eles Antero de Quental e Teófilo Braga, que torpedeiam o Romantismo ultrapassado do poeta Antônio Feliciano de Castilho.

Em 1866, com o diploma de advogado, o dr. José Maria Eça de Queirós deixa Coimbra e finalmente dirige-se para a casa dos pais, em Lisboa. Nesse mesmo ano estréia como escritor, publicando no jornal A Gazeta de Portugal o folhetim Notas Marginais.

No ano seguinte passa a dirigir o jornal de oposição Distrito de Évora. Também redator, Eça de Queirós mergulha na realidade de seu país. Em seus artigos começa a emergir o grande escritor realista. Esse realismo acentua-se ainda mais quando o escritor retorna a Lisboa, no final de 1867, e passa a participar do Cenáculo, um vigoroso núcleo intelectual. Reuniões de grupo, debates, idéias e teorias novas. Eça toma contato com o Positivismo e o Socialismo, revê e avalia o Romantismo. Entra para o círculo da geração realista - Antero de Quental, Oliveira Martins, Batalha Reis, Guerra Junqueiro e outros.

Em outubro de 1869, em companhia do galante aventureiro conde de Resende, visita o Oriente. Percorre a Palestina e, na qualidade de correspondente do Diário de Notícias, assiste à abertura do canal de Suez no Egito. Ao retornar a Lisboa, em 1870, inicia a publicação em capítulos, nesse periódico, de uma novela policial: O Mistério da Estrada de Sintra, com a colaboração do escritor Ramalho Ortigão, seu único amigo e companheiro de escola.

Convencido da impossibilidade de viver de seus escritos, aos 25 anos Eça tenta a carreira diplomática e classifica-se em primeiro lugar. Contudo, é preterido na indicação para cônsul no Brasil. A irreverência do escritor, então, explode em As Farpas, panfleto de crítica social e política cuja principal arma era o riso, escrito em parceria com Ramalho Ortigão.

Engajado politicamente, Eça de Queiros participa agora das Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense. Prefere uma palestra sobre "O Realismo como Nova Expressão de Arte". A nova corrente é definida de forma entusiástica, pelo jovem escritor, como arte de participação e denúncia dos males sociais. Seis dias depois de iniciadas as conferências, uma portaria ministerial as interrompe abruptamente. Em meio às polêmicas do Cassino Lisbonense, dá prova dessa orientação estética no conto Singularidades de uma Rapariga Loura, que seria publicado em 1874.

Em 1871 Eça de Queirós consegue sua nomeação como cônsul nas Antilhas espanholas, mas só no ano seguinte assume o posto, no qual permaneceria até 1874. Depois é transferido para Newcastle-on-Tyne, na Grã-Bretanha. É aí que termina de escrever a primeira versão de O Crime do Padre Amaro. Mas a atitude perfeccionista de Eça faz com que reescreva o romance, que afinal é publicado em 1875. O Primo Basílio, romance situado na longínqua Lisboa, é publicado em 1878. E Eça de Queirós confessa estar vivendo para a arte: "Eu por aqui - não fazendo, não pensando, não vivendo senão arte. Acabei O Primo Basílio".  Nessa vertiginosa atividade literária, o escritor planeja publicar um vasto inquérito sobre a sociedade portuguesa - as Cenas da Vida Real. Mas acaba abandonando o projeto: falta-lhe a "verificação", própria da estética naturalista, conforme a definiu em sua conferência no Cassino.

Apesar do sucesso obtido com O Primo Basílio, o escritor e diplomata vive do ordenado de cônsul, insuficiente para saldar suas numerosas dívidas. "Salva-me, salva-me duma situação que me arruína, me enterra cada dia mais, me preocupa a ponto de me tornar estúpido", escreveria ele a seu amigo Ramalho Ortigão. Além das preocupações financeiras, afligem-no problemas de saúde; à anemia crônica juntam-se nevralgias dolorosas e fortes abalos de nervos.

Seus vaivéns diplomáticos prosseguem em 1878, quando é transferido de Newcastle para Bristol. Eça, contudo, sente-se só na Inglaterra. Não tem com quem polemizar ou simplesmente trocar idéias. Consola-se escrevendo contos e artigos para a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro. Aos 33 anos de idade Eça pensa em se casar, constituir família, conforme confissão em uma carta a seu amigo Ramalho Ortigão: "precisava duma mulher serena, inteligente, com uma certa fortuna (não muita)... que me adotasse como se adota uma criança...".

Essa mulher seria Emília de Castro Pamplona, filha do conde de Resende, seu companheiro de viagem ao Oriente. Com ela se casaria em fevereiro de 1886, aos 40 anos de idade, no oratório particular da casa da jovem, em Ovídio.

Em 1888, dois anos após o casamento, Eça de Queirós assume o último posto de sua carreira diplomática e segue para Paris, dessa vez para sempre. Instala-se em Neuilly, "num recinto ameno e silencioso". Atenua-se agora, também, a irreverência do escritor, sócio da Academia Real de Ciências desde 1883 e à qual não comparece sequer uma vez. Gradativamente Eça de Queirós vai abandonando o Realismo mais esquemático, incursionando para o que chama de "fantasia"; mostra, a essa altura, certa influência da literatura inglesa. As obras A Relíquia e Os Maias, anteriormente ao seu casamento, são publicadas em 1887 e 1888.

Em 1889 Eça funda a Revista de Portugal, e nela publica Correspondência de Fradique Mendes. O padrão do escritor, exilado em sua torre diplomática, é Fradique Mendes, seu personagem ficticio. A irreverência social e o sarcasmo, que o compensam ideologicamente como escritor e cidadão, colidem com as atividades da diplomacia e sua vida burguesa. Seu irreverente personagem Fradique Mendes é a imgem de um escritor realizado, com prestígio mundano.

O Eça de Queirós demolidor da moral burguesa dos tempos do Cenáculo aspira agora a uma "disciplina intelectual, econômica, moral e doméstica". E o grupo que realizara a Questão Coimbrã, em 1865, nem de longe parece o mesmo. Seus integrantes são, agora, na década de 1880, os Vencidos da Vida: Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e... Eça de Queirós. Não são os combativos jovens dos tempos antigos: reúnem-se festivamente em torno de uma mesa de hotel ou de um restaurante para discussão de temas contemporâneos.

O vencidismo fora uma posição "mais intelectual" como o próprio Eça afirmara várias vezes. Mas, segundo o parecer dos outros, seus integrantes estavam mesmo era em crise de desalento. E é nessa atmosfera de vencidismo que ele publica A Ilustre Casa de Ramires, iniciada em 1894, e A Cidade e as Serras - canto realista das maravilhas da vida rural.

Com a morte da sogra em 1890, Eça de Queirós herda uma quinta em Santa Cruz do Douro. Além de célebre, tornara-se rico.

A última visita que Eça de Queirós faz a Portugal é em 1900. Envelhecido e doente, parece despedir-se de seu país. Aos 55 anos Eça está acabado. Seu amigo Antero de Quental suicidara-se em 1892. Oliveira Martins havia morrido em 1894. O desaparecimento dos amigos e companheiros de sua geração pressagiava também seu próprio fim. Os médicos recomendam-lhe repouso e se possível, que deixe a vida agitada de Paris. Em julho de 1900 Eça parte para Glion, próximo a Genebra; escolhera o local julgando que ali respiraria uma grande paz. Mas não suporta mais de quinze dias de isolamento. Regressa a Paris, onde as febres, suores e insônia voltam a persegui-lo.

O escritor passa seus últimos dias como um "pequeno-burguês retirado", segundo suas próprias palavras. Ironicamente, registra ainda: "faço também literatura, uma literatura complicada, porque com o vício de misturar trabalho, acho-me envolvido na composição, revisão e acepilhação geral de cinco livros".

Na tarde de 16 de agosto de 1900, em meio ao calor abafado do verão parisiense, morre um dos maiores ficcionistas da literatura portuguesa, acometido por enterocolite, um mal hereditário que o perseguira desde a juventude.

Fonte: coleção obras-primas - grandes autores - vida e obra.

domingo, 6 de outubro de 2013

Melville

Melville
1819 - Em 1. de agosto, nasce em Nova York Herman Melville.
1830 - O empório de Allan Melville vai à falência, e a família se muda para Albany.
1832 - Morre Allan Melville. Herman deixa a escola e arranja um emprego em um banco.
1834 - Passa a trabalhar como guarda-livros do irmão mais velho, Gansevoort.
1835 - Frequenta o Colégio Clássico de Albany.
1837 - O irmão Gansevoort vai à falência, e a família se muda para Lansingburgh.
1839 - Herman consegue emprego como camareiro no navio mercante St. Lawrence.
1841 - Embarca no baleeiro Acushmet com destino aos mares do Sul.
1842 - Em julho, o Acushnet aporta nas ilhas Marquesas (atual Polinésia Francesa). Herman e um amigo abandonam o navio para explorar a ilha.
1843 - Alista-se na Marinha e embarca no United States.
1846 - Publica Taipi - Paraíso de Canibais, sobre a vida da Polinésia.
1847 - Publica Omu, uma narrativa das aventuras nos mares do Sul. Em agosto, casa-se com Elisabeth Shaw.
1849 - Publica Mardi e Redburn.
1850 - Publica White Jacker.
1851 - Publica Moby Dick (*).
1852 - Publica Pierre ou As Ambiguidades.
1853 - Publica Bartleby, o Escriturário.
1854 - Publica As Encantadas.
1855 - Publica Israel Potter e Benito Cereno.
1856 - Faz uma viagem à Europa e à África. Publica Piazza Tales.
1857 - Publica The Confidence Man.
1866 - Publica Battle-Pieces e Aspectos da Guerra.
1867 - O segundo filho, Stanwix, que fora para o mar em 1869, morre num hospital em São Francisco.
1891 - Escreve Billy Budd, só publicado em 1924. Morre de infarto em 28 de setembro, em Nova York.

(*) Moby Dick
A descrição feita por Herman Melville, em 1851, da caça à baleia-branca é uma alegoria da luta do homem contra as forças da natureza, avassaladoras e destruidoras, que, no entanto, se encontram presentes dentro do próprio homem. Nem a obra nem o autor foram compreendidos à época, o que fez de Moby Dick um fracasso.
O tempo se encarregaria de fazer justiça: Moby Dick é considerado por muitos, hoje, o maior romance já escrito nos Estados Unidos.


No primeiro dia de agosto de 1819, em Nova York, Maria Gansevoort Melville dá a luz ao terceiro filho, Herman. Depois dele outros cinco viriam. Tanto o avô paterno de Herman, de nobre família escocesa, quanto o materno, descendente de holandeses, haviam sido heróis na Revolução Americana de 1787.

O pai de Herman, Allan Melville, é dono de um empório, que, em 1830, vai à falência. A família então é obrgidada a se abrigar na casa de um parente, em Albany. Dois anos depois Allan morre deixando Maria e os oito filhos em péssima situação financeira. Gansevoort, o mais velho, envolve-se num negócio de peles, procurando ajudar na manutenção da casa; as meninas vão para a Academia Feminina de Albany. Com treze anos Herman arranja emprego num banco, depois de abandonar a escola.

Sai do estabelecimento bancário em 1834 para trabalhar como guarda-livros do irmão. As coisas seguem equilibradas até 1837, quando o negócio de Gansevoort também vai á falência. Herman passa a lecionar em Pittsfield, Massachusetts.

No ano seguinte a família transfere-se para a cidade vizinha de Lansingburgh, procurando melhores condições de vida. Herman vai para a Academia de Eengenharia, com o intuito de obter um emprego no canal Erie, mas desiste alguns meses depois.

Em 1839 publica no Democratic Press e no Lansigburgh Advertiser sua primeira composição literária, Fragmentos Literários de uma Escrivaminha, com o pseudônimo de L. A. V. É um trabalho simples, que revela um autor de estilo ainda indefinido mas com inclinações românticas.

Está com vinte anos de idade e sem perspectiva. Não se decide pro profissão alguma e seente-se frustrado por não poder ajudar no sustento da família. Tentando ajudá-lo, Gansevoort arranja-lhe um emprego de camareiro num navio mercante, o St. Lawrence. Em 5 de julho de 1839 Herman embarca rumo a Liverpool, na Inglaterra.

Algumas decepções o aguardam: os marujos não têm o menor refinamento. A vida a bordo é inglória e exaustiva. E Liverpool é uma cidade cheia de pobres que dormem famintos pelas ruas. Toda sua decepcionante experiência seria relatada mais tarde no livro Redburn, publicado em 1849. Além dos aspectos meramente descritivos da viagem, Herman acrescentaria à obra alguns episódios não acontecidos de fato, como uma visita do herói a Londres e uma epidemia a bordo.

Três meses depois da partida o St. Lawrence aporta de volta em Nova York, trazendo inúmeros imigrantes irlandeses. Herman desembarca frustrado e sai à procura de emprego. Consegue dar algumas aulas em Greenbush, no Etado de Nova York, mas pouco tempo depois a escola fecha, e ele vai para o colégio de Brunswick, perto de Albany. Ali fica até 1840, quando resolve tentar a sorte no Oeste.

No fim do ano, sem um vintém no bolso, retorna a Nova York. Volta a perambular pelas ruas, e seus passeios acabam por levá-lo a New Bedford, considerada a capital mundial dos baleeiros.
Em janeiro de 1841 Herman embarca no Acushnet, um veleiro com 35 metros de comprimento, equipado com oficina mecânica, carpintaria, sala de costura, e repleto de provisões. A tripulação é formada por imediatos, arpoadores e marinheiros. Todos eles participam da caça à baleia, tarefa perigosa e emocionante cuja finalidade é a extração do óleo. A experiência vivenciada no Acushnet inspiraria Herman a escrever dez anos depois sua obra-prima - Moby Dick -, cujo título original era A Baleia-Branca.

Ao deixar os Açores o Acushnet segue para o Atlântico Sul, fazendo uma escala no Peru em junho de 1841 e tomando depois o rumo do cabo Horn, e extremo meridional da América do Sul.
Num relato sobre as ilhas Encantadas (as Galápagos), Herman afirma ter visitado também, durante essa viagem, o arquipélago de João Fernandes. Nessa silhas, pertencentes ao governo chileno, teria vivido, de 1704 a 1709, o marinheiro Alexandre Selkirk, que inspirou a Daniel Defoe o famoso personagem Robison Crusoé.

Em julho de 1842 o Acushnet chega às ilhas Marquesas e apota em Nuku-Hiva, a ilha mais importante do arquipélago, que então se encontra sob domínio francês. Alguns dias depois Herman e seu amigo Richard Tobias Greene - "Toby" - abandonam o navio e começam a explorar a ilha com a intenção de encontrar a tribo dos hapaas, considerada amistosa aos marinheiros brancos. Escalam as latas colinas que circundam a baía de Taiohae e acabam nas mãos dos taipis, que, segundo se conta, são antropófagos.

Após alguns dias Toby tem permissão da tribo para procurar medicamentos para Herman, que está com a perna ferida. Não volta mais: engaja-se num baleeiro que está à procura de marinheiros desgarrados e vai embora. Um mês depois o baleeiro australiano Lucy Ann encontra Herman.

Essa experiência é relatada em seu livro Taipi - paraíso dos Canibais, publicado em 1846. Nesse romance em forma de reportagem o escritor conta o que lhe acontecera desde o momento em que deixa seu posto no Acushmet até o dia em que, salvo dos antropófagos, embarca no Lucy Ann. Descreve o modo de vida dos taipis a flora e a fauna da ilha. Somente na segunda parte do livro - após a partida de Toby - é que ele narra uma série de acontecimentos que fogem ao mero documentário.

A úncia pessoa com que Melville conveersa no Lucy Ann é o Dr. Long ou Long Ghost (Fantasma Comprido). Os marinheiros não querem trabalhar, aguardam apenas uma ocasião propícia para desertar. A primeira tentativa nesse sentido acontece em uma ilha das Marquesas, quando dez homens tentam fugir, mas não conseguem.

Enquanto o Lucy Ann vai navegando nesse clima caótico, Herman - com o pretexto da perna machucada - passa o tempo todo lendo os livros de seu amigo Fantasma Comprido. Somente suspende a leitura quando o navio chega a Papeete, no Taiti. Outra vez a tripulação se amotina, e dessa vez o capitação é subjugado e enviado a terra. Os marinheiros não querem prosseguir viagem no Lucy Ann, por isso solicitam ao cônsul inglês permissão para ficar na ilha. Em resposta são trancafiados nos cárceres do navio francês Reine-Blanche, inclusive Herman e o Fantasma.

Quase diariamente as autoridades da ilha procuram os rebeldes para tentar convencê-los a retornar seus postos no velho baleeiro australiano. Mas os marujos preferem permanecer encarcerados. Por fim, no dia 15 de outubro de 1842, recuperam a liberdade. O Lucy Ann já vai longe, tripulado por aventureiros que nada sabem sobre as duras condições do trabalho a bordo.

Livres, sem possibilidade imediata de embarcar em outro navio, Herman e o Fantasma passeiam pela ilha, observando a vida dos habitantes locais, que cultuam a indolência e a embriaguez e rejetam tenazmente qualquer sugestão de trabalho. Comem frutas silvestres, abundantes em seus campos férteis, e dormem em toscas tapera.

Avesso à indolência e a hábitos ociosos, é com imensa alegria que Herman, em janeiro de 1843, sobe a bordo de um baleeiro que havia aportado na ilha. Sente só uma tristeza: a de deixar o bom amigo Fantasma, que optara pela boa vida na ilha. Quatro anos mais tarde o romancista reviveria toda essa aventura em seu livro Omu (1847).

Segundo o relato do escritor, o baleeiro navega algum tempo pelos mares do Sul, antes de aportar em Honolulu, onde a tripulação desembarca para uma escala de quatro meses. O Havaí, bem como o Taiti, constituiam, na época, objeto de acirradas disputas entre ingleses, franceses e americanos, todos interessados no controle da região. Para não ser ludibriados pelos rivais na disputa do arquipélago, os Estados Unidos mantêm na ilha um destacamento naval. Em 17 de agosto de 1843 Herman alista-se na Marinha norte-americana em Honolulu e embarca no United States, um navio com 450 tripulantes, divididos numa hierarquia de graus e funções.

Quando o United States chega a Boston, em outubro de 1844, Herman é dispensado. A impressão que lhe ficara do rígido ambiente disciplinar da fragata americana seria exposta em White Jacket (Jaqueta Branca) em 1850.

Aos 25 anos de idade Herman já tem outras expectativas. Depois de quase quatro anos sem ver nenhum membro da família, sua primeira providência é visitar a mãe em Lansingburgh. O irmão mais velho é secretário da legação americana em Londres. As irmãs continuam solteiras.

Atenuada a emoção dos contatos familiares, põe-se a escrever. Não quer mais saber de lecionar. Afinal, tem aventuras suficientes para escrever vários livros. O primeiro é Taipi - Paraíso de Canibais (1846). A experiência serve para mostrar-lhe as dificuldades ligadas ao ramo editorial: ninguém quer publicá-lo. A conselho de um amigo, envia os manuscritos para Gansevoort. Alguns meses depois o irmão manda-lhe boas notícias: o editor John Murray comprara Taipi. As cinco libras que chegam com a carta são apenas uma parte do pagamento das cem que lhe serão enviadas nos próximos sete meses.

Mas o editor manifesta a intenção de cortar várias passagens do livro, pondo em dúvida sua veracidade. No auge das discussões, aparece o velho amigo Toby, que comprova as situações relatadas no romance. As coisas se resolvem, e Herman aproveita para acrescentar à edição americana a História de Toby, onde conta o que acontecera ao amigo depois de sua partida de Nuku-Hiva.

Tudo parece ir muito bem quando, subitamente, em 12 de maio de 1846, Gansevoort morre. E Herman continua a escrever. Seu livro seguinte, Omu )no dialeto das ilhas Marquesas, omoo significa "vagabundo"), encontra outro tipo de dificuldade: o editor recusa-se a publicar uma obra que afirma que o cristianismo falhara na Polinésia. Acaba sendo impresso, em 1847, pela Harper & Brothers, de Nova York.

Em agosto de 1847 Herman casa-se com Elisabeth Shaw, filha de um oficial de justiça, amigo da família. O ex-aventureiro decide-se por uma tranquila vida doméstica. Fixa residência em Nova York e retoma um livro que iniciara pouco antes do casamento: Mardi. No prefácio esclarece que resolvera escrever um verdadeiro romance de aventuras polinésias para verificar se não era possível fazer à fantasia passar por realidade - justamente o inverso do que havia feito nos dois primeiros livros.

Em Mardi Herman Melville coloca suas dúvidas em relação aos valores de seu tempo: "O mal é a doença crônica do universo". Essa afirmação seria o ponto chave de toda sua obra. Publicado em 1849, Mardi decepciona críticos e leitores, que esperavam uma sequência das ingênuas aventuras dos livros anteriores, e não uma crítica dos valores estabelecidos da época.

Todavia, antes da publicação, Herman já começara a escrever outro livro, que, segundo ele, tinha tudo para ser um sucesso estrondoso. Como nascera seu primeiro filho - Malcom - e ele estava mesmo precisando de dinheiro, dedica-se à composição de Redburn, o relato de sua primeira vigem de barco de Nova York a Liverpool.

É ali, entre plantas, árvores e animais, que começa a elaborar A Baleia-Branca, cujo título seria depois alterado para Moby Dick. É a história do capitão Acab, comandante do baleeiro Pequod, contra Moby Dick, a baleia branca. Acab tinha vivido uma vida de solidão durante quarenta anos. Casara-se muito tarde e em seguida partira para o mar. Seu maior desejo era vingar-se da baleia que lhe arrancara uma perna.

Todas as experiências de Herman no baleeiro Acushnet estão presentes no livro. No entanto, o sentido mais profundo da obra é a eterna procura do homem, o combate instintivo e intenso contra as forças do mal, o anseio de pureza, e por fim a amarga desilusão: a terra não é nem nunca virá a ser um paraíso. Tudo isso Herman combina com uma excitante história de aventuras, que é publicada na Inglaterra em 1851, mesmo ano do nascimento de seu segundo filho, Stanwix.

Em 1852 Herman publica um livro controverso: Pierre ou As Ambiguidades. É ridicularizado e denunciado como louco e imoral. Aliás, para a maioria dos leitores, o próprio Melville está louco. Na verdade, o escritor está sofrendo um forte depressão nervosa. Sempre acreditara nos ensinamentos de Cristo e na bondade dos homens. Agora está em crise com suas crenças.

Nem o nascimento da filha Elisabeth, em 1853, consegue melhorar seu ânimo. Ao contrário: as coisas andam difíceis, e há mais uma criança para sustentar. Pede a ajuda de amigos para arranjar um emprego fixo, mas nada consegue. Passa então a escrever uma série de contos, que publica anonimamente nas revistas literárias.

Dois anos depois, em 1855, nasce Frances, seu quarto filho. Nessa época Herman escreve uma pequena obra-prima: Benito Cereno. No ano seguinte reúne vários contos, alguns ainda inédiots, outros já publicados em revistas, e edita-os sob o título Piazza Tales (Contos da Praça).

Faz-lhe falta viajar, dar uma volta ao mundo, deixar por algum tempo a quietude e a rotina de Arrowhead. Então, em 1856 Herman novamente se põe a caminho, pelo mar, e visita o norte da África e a Europa. Ao retornar, relata as impressões da viagem em Diário dos Estreitos, no qual fala em detalhes de Gibraltar, Dardanelos e Bósforo.

Mal Herman conclui essa obra, explode nos Estados Unidos a Guerra Civil (1861-1865), que ele descreve como um trágico espetáculo em Do Alto de uma Casa e Réquiem. Em 1857 lança o romance The Confidence Man (Um Homem de Confiança), em que se percebe claramente a intensa misantropia em que vive. Mas o escritor já não tem entusiasmo pela vida. Apenas por amor à família esforça-se para obter um emprego como inspetor da Alfândega de Nova York, em 1866. No início do ano seguinte, recebe um duro golpe: seu filho Malcolm, de apenas dezoito anos, tira a própria vida com um tiro.

Herman só volta a escrever muito tempo depois, para iniciar a composição de sua última obra de fôlego: Clarel, um relato em versos baseado numa viagem que fizera á Terra Santa em 1857. No poema está expressa a idéia de que não adianta sonhar com uma ordem social se a ignorância e o orgulho não foram superados dentro de cada ser humano.

Nenhum editor se dispõe a arriscar seu capital para publicar a obra. É Peter Gansevoort, tio do escritor, quem acaba financiando a edição, em 1876.

Em 1888, com 68 anos, Herman se aposenta da Alfândega. Sente-se já no fim da vida. "Eles falam da dignidade do trabalho. Pura mistificação. O trabalho, para dizer a verdade, é uma necessidade para nossa pobre condição terrestre. A dignidade encontra-se no lazer. Aliás, noventa e nove por cento de todo trabalho realizado neste mundo e tolo ou inútil".

Livre dos compromissos burocráticos, Herman dedica seus últimos anos à elaboração de Billy Budd, mais uma história do mar, que só seria publicada postumamente. Pouco tempo depois de concluí-la, Herman Melville parte para sua última e inadiável viagem. Em 28 de setembro de 1891 sofre um ataque cardíaco fatal. Nenhum jornal publica a notícia de sua morte. Somente muitos anos mais tarde ele receberia os aplausos que amais lhe tributaram em vida, e um escritor consagrado como Camus diria: "Para avaliar o gênio de Melville, é indispensável admitir que suas obras traçam uma experiência espiritual de intensidade sem igual e que são em parte simbólicas. Seus livros admiráveis são desses excepcionais que podem ser lidos de diferentes maneiras, ao mesmo tempo evidentes e misteriosos, obscuros e, todavia, límpidos como água cristalina. A criança e o sábio encontram neles alimento".

Fonte: coleção obras-primas - grandes autores - vida e obra.

sábado, 5 de outubro de 2013

Emily Bronte

Emily Bronte
1812 - Em 29 de dezembro o reverendo Patrick Bronte casa-se com maria Branwell.
1818 - Em 30 de julho, em Thornton, Yorkshire, nasce Emily Jane, filha do reverendo Patrick Bronte e Maria Branwell.
1820 - Em abril, a família muda-se para Haworth.
1821 - Morre Maria Branwell, a mãe.
1824 - Emily e as três irmãs mais velhas vão estudar em Cowan Bridge.
1825 - Em maio, morre a irmã Maria. No mês seguinte, Elizabeth, outra irmã.
1826 - As crianças ganham soldadinhos de chumbo de presente, ponto de partida para os relatos de Angria e Gondal.
1829 - Têm início os jornais de Angria.
1831 - Charlotte vai estudar em Roe Head.
1835 - O irmão Patrick vai estudar em Londres. Charlotte e Emily partem para Roe Head, a primeira como professora, a segunda como aluna. Nesse mesmo ano, Emily volta para Haworth.
1837 - Emily vai lecionar em Law Hill, mas volta para casa alguns meses depois.
1842 - Em fevereiro, viaja com Charlotte para Bruxelas. Em novembro, regressa à Inglaterra.
1846 - Em maio, é publicada a coletânea de poemas de Currer, Ellis e Acton Bell, respectivamente Charlotte, Emily e Anne. Os manuscritos de Agnes Grey, de Anne, e de O Morro dos Ventos Uivantes (*), de Emily, são aceitos.
1847 - Em outubro, é publicado Jane Eyre, de Charlotte. Em dezembro é publicado O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily, e Agnes Grey, de Anne.
1848 - Em 24 de setembro, morre Patrick Branwell. Em 19 de dezembro, morre Emily Jane Bronte.

(*) O Morro dos Ventos Uivantes
Único romance de Emily Bronte, publicado em 1847 sob o pseudônimo de E. Bell, O Morro dos Ventos Uivantes é uma obra dramática em qeu, sobre uma aparente reconstrução da realidade, se superpõem as visões fantasmagóricas de um reino imaginário. A técnica de narração de Bronte gera uma tensa expectativa em torno do tema romântico. É um verdadeiro hino ao amor louco e impossível entre Heathcliff e Catharine.


No silêncio, um ou outro estalido de lenha queimando na lareira e o ruído incessante das agulhas de tricô. Emily ergue os olhos da costura, passeia-os pelas roupas não remendadas e observa o perfil de Charlotte, pequena e míope, tricotando. Desvia o olhar para Anne, calada, imersa na tarefa de pregar botões. Não são quatro horas da tarde, mas o céu está escuro. A noite desce cedo em Haworth, para as três, mas a escuridão não impede o trabalho.

As recordações afloram à cabeça de Emily.

Quando chegaram a Haworth, em 1820, eram oito, ao todo: irmã Maria, nascida em 1813, a irmão Elizabeth, que estava com cinco anos, a irmã Charlotte, de quatro anos, o irmão Patrick, de três anos, a irmão Anne, de quatro meses, o pai e a mãe. Emily estava com dois anos e não entendi bem por que o pai decidira mudar-se para um lugar tão solitário, batido pelos ventos uivantes. A partir da mudança, a família começou a diminuir. Primeiro morreu a mãe. Tia Branwell fora morar com eles. Para as crianças, as brincadeiras quase inexistiam. Por isso pensaram que faria pouca diferença ir para a escola dos filhos de clérigos, em Cowan Bridge. Enganaram-se. Se em casa viviam vigiados e reprimidos, tinham ao menos comida e conforto. No internato, sofriam castigos, alimentavam-se mal e não dormiam de frio. Quando Emily foi para a escola, encontrou Maria, a irmã mais velha, tossindo incessantemente e queixando-se de fortes dores no peito. Num dia de fevereiro, viu-a ser mandada às pressas para casa, onde morreu três meses depois. Elizabeth, a segunda, também acabou sucumbindo às condições do internato e faleceu no verão.

O reverendo Bronte tirou os demais filhos do colégio e levou-os de volta para Haworth. Em casa, encontraram uma agradável surpresa: a presença da nova empregada Thabitha - Taby, como a chamavam -, cuja alegria e cujas histórias ajudavam a amenizar a austeridade imposta pela tia e pelo pai. Afeiçoaram-se de tal modo a ela que, anos mais tarde, quando Taby se tornou mais morosa no desempenho de suas tarefas, em consequência de um acidente, Emily saiu de seu silêncio para impedir que o pai a despedisse. Posteriormente, imortalizou-a como a fiel Nelly Dean, em O Morro dos Ventos Uivantes.

Contente por ter quem a ajudasse nos serviços caseiros, a tia abrandou a vigilância às poucas brincadeiras das crianças. Desde que não fizessem barulho nem desordem, podiam dispor de seu tempo livre como quisessem. Geralmente reuniam-se no quarto grande e liam alto os contos de As Mil e Uma Noites, revistas presbiterianas, jornais e peças de Shakespeare.

Um dia, o pai viajara para Leeds e retornara trazendo um presente para Patrick. As crianças se aglomeraram em volta da caixa de madeira, respiração suspensa, à espera do conteúdo. Patrick então levantou a tampa e foi tirando, um por um, doze soldadinhos de chumbo. Charlotte, por ser a mais velha, escolheu primeiro o que lhe pareceu mais bonito, e batizou-o "Duque de Wellington". Depois Emily tomou o soldadinho que julgou mais parecido com ela mesma - tristonho e sério -, e deu-lhe o nome de "Gravey". Anne escolheu por último - o "mensageiro". Patrick guardou os restantes, declarando que todos poderiam brincar. Em Haworth, ninguém dormiu, procurando um tema para a nova brincadeira. Lembraram-se das histórias que haviam lido, dos relatos da Taby, com quem passavam tardes inteiras conversando na cozinha.

Inventaram epopéias, tramaram enredos e, um dia, resolveram escrevê-los. Patrick sugeriu que registrassem as histórias em forma de jornal. Ele cortava as páginas, do tamanho dos soldadinhos, e Charlotte desenhava as letras, que mais se pareciam com caracteres de imprensa, de tão iguais e miúdas que eram. Emily e Anne, sentindo-se rejeitadas porque os irmãos não aproveitaram nenhuma de suas sugestões, decidiram criar separadamente suas próprias histórias, situando-as na ilha imaginária de Gondal, no Pacífico. Como testemunho desse tempo feliz, restou somente cerca de uma centena de pequenos jornais de Angria e uma ou outra página dos relatos de Gondal - ponto de partida de três carreiras literárias.

Alguns anos mas tarde, Charlotte entrou para o colégio em Roe Head. Patrick, em vez de estudar desenho em Londres, para onde o pai o enviara, acreditando em seu talento, começara a beber desmedidamente. Emily, a essa altura, já se voltara para dentro de si, disfarçando com uma máscara de indiferença as emoções que a sacudiam. O tempo passou entre estudos e os relatos de Taby.
Charlotte concluíra o colégio e voltara para casa, mas os professores gostaram tanto dela e de seu talento que a convidaram para lecionar com eles em Roe Head. Charlotte aceitou o convite e levou Emily consigo.

Entre as companheiras tagarelas e vivas, a irmã mais nova sentia-se uma estrangeira. Não conseguia participar das confidências, não suspirava por nenhum rapaz, não sonhava com vestidos da moda. Cumpria os deveres, como estava habituada, compunha alguns poemas e, sozinha em seu quarto, chorava de saudade do cão Tiger. Charlotte percebeu que Emily ia definhando, e chegou a temer que morresse, caso não voltasse a tempo para Haworth. Mandou-a de volta. Ao chegar em casa, Emily encontrou Patrick cada vez mais se consumindo na bebida, e Anne pronta para ir ocupar seu lugar em Roe Head. Mas sentia-se melhor. Tinha outra vez para si o uivo dos ventos e os toques do sino. No casarão vazio desempenhava mudamente suas tarefas. Jamais se queixava de coisa alguma, nem da mordida que um cão supostamente raivoso lhe dera no braço. Ela mesma cauterizara o ferimento e, em consequência da queimadura, ficara com o braço deformado. Ninguém teria sabido, se Charlotte, meses depois, não insistisse em perguntar por que andava com roupas de mangas compridas em pleno verão.

Nos intervalos dos afazeres domésticos, compunha poemas que escondia, e lia livros e as cartas de Chalotte em que esta confessava suas decepções e amarguras. Por meio da correspondência, Emily ficou sabendo que o irmã enviara alguns versos aos poetas Wordworth e Southey, e estava muito aborrecida com o parecer desanimador de ambos. Censurava-a também por não ter conseguido vencer a timidez. Foi por isso que Emily resolveu empenhar-se numa segunda tentativa de ajustamento ao mundo e aceitou um ugar de professora numa escola em Law Hill, próxima a Haworth. Apesar de seus esforços, fracassou novamente. O trabalho não constituíra a principal razão de sua desistência, pois estava habituada a serviços pesados. A timidez, o mutismo, a impossibilidade de se comunicar com as pessoas é que a levaram outra vez de volta para casa.

Charlotte era a mais que tinha mais iniciativa de todos os irmãos. E decidiu abrir uma escola perto de Haworth.

Como precisava aperfeiçoar-se em línguas estrangeiras e tinha algumas amigas em Bruxelas, decidiu partir e levar também Emily.

No dia em que embarcaram para a Bélgica nevava muito. Com um empréstimo cedido pela tia, as duas moças viajaram acompanhadas do pai, que, deixando-as num pensionato feminino, retornou ao presbitério.

Emily não conseguira entender por que antipatizara com o professor Héger. Cumpria os deveres, estudava com esforço, mas encolhia-se quando era obrigada a falar com ele. Charlotte não compartilhava a opinião da irmão acerca do professor. Parecia, ao contrário, procurar ocasião para conversar com ele ou simplesmente observá-lo ao trabalho. Resolveu até permanecer em Bruxelas além do prazo estabelecido no princípio da viagem, dando aulas de inglês em troca de estudo e sustento. Emily intuía vagamente que um afeto mais profundo estava nascendo entre Charlotte e Héger. Mas ele era casado.

Os planos de Charlotte em permanecer perto do professor não se concretizaram: em novembro de 1842 as duas moças receberam uma carta do pai, chamando-as urgentemente. A tia havia falecido.
taby estava doente, a casa precisava de cuidados. Para Emily, que estava com 24 anos, a dor causada pela morte da tia era compensada pela alegria de se reencontrar com a natureza. O mesmo não aconteceu com Charlotte, que, alguns meses depois, retornou a Bruxelas, alegando que não podia deixar inacabado o trabalho que iniciara. Pelas cartas, Emily compreendeu que a irmão não era feliz na Bélgica. A esposa do professor percebera o afeto entre o marido e a jovem e usava de mil artifícios para separá-los. Magoada e desiludida, Charlotte regressou a Haworth no final de 1843.

Como o dinheiro era escasso e eles precisavam sobreviver, as irmãs decidiram abrir uma escola. Fizeram planos, programas, horários, mas não encontraram alunos. Emily convenceu-se de que ninguém matricularia os filhos por causa da reputação de Patrick, mas não ousou dizer nada. Jamais acusara alguém, muito menos o irmão, cujos defeitos ela desculpava e encobria. Nunca teve uma palavra áspera para com ele, nem na noite terrível em que Patrick, bêbado, tentara matar o reverendo. As irmãs presenciaram a cena pálidas de susto, mas Emily se colocara entre ambos. Usara de toda a sua força moral e física para evitar o crime.

Muitas das brigas descritas em O Morro dos Ventos Uivantes são reconstituições desse e de outros tristes espetáculos.

Engavetado o projeto da escola, Anne e Patrick foram trabalhar como preceptores das crianças de uma abastada família, e Emily ficou em Haworth com Charlotte. Sozinhas em casa, as duas conversaram o dia inteiro, trabalhavam juntas, escreviam. Acalentaram até a esperança de revive os tempos de Angria, quando Anne e Patrick retornassem no ano seguinte. Mas a razão de seu regresso era tão triste que qualquer possibilidade de recuperar a felicidade caiu por terra. Patrick fora despedido por andar de amores com a esposa de seu patrão e bebia mais que do antes.

Um dia Charlotte descobriu os poemas ocultos de Emily e pediu-lhes permissão para publicá-los, juntamente com os seus e os de Anne. Emily a princípio recusou, mas acabou vencida pela argumentação de que aquele seria um meio de ganhar o dinheiro que tanta falta lhes fazia. Se os versos fossem aceitos, teriam o caminho aberto para a publicação de um romance em fascículos, como era moda, e garantiriam sua subsistência. Além do mais, Charlotte assegurou-lhe que usariam pseudônimo.

Em janeiro de 1846, uma pequena editora da província resolveu publicar o livro por conta das próprias autoras, que, para isso, empregariam a herança deixada pela tia. Poucos exemplares foram vendido, mas a crítica elogiou o trabalho e prognosticou um grande futuro para Ellis Bell, pseudônimo de Emily Bronte. O fracasso dos poemas naquela época não fez as três irmãs abandonarem a idéia de escrever um romance. Desde os relatos da Angria, sentiam que era importante escrever. Cada qual começou a compor sua narrativa. Enquanto a irmã mais velha trabalhava em O Professor, tanto libertar-se da mágoa pelo amor frustrado em Bruxelas, Anne lembrava passagens da infância em Agnes Grey, e Emily narrava com cores sombrias a atmosfera de Haworth em O Morro dos Ventos Uivantes. Concluíram suas obras quase simultaneamente e mandaram-nas para o mesmo editor, que recusou apenas o romance de Charlotte.

No entanto, esta acabou conquistando a fama antes das outras. O pai convalescia de uma operação da vista. Patrick continuava sua vida desregrada, Emily e Anne cuidavam da casa e Charlotte, à cabeceira do reverendo, recordava-se a si mesma em Jane Eyre. Publicado no ano seguinte, assinado com o pseudônimo de Currer Bell, o romance atingiu enorme sucesso. As revistas especializadas não se cansaram de louvar o talento do autor. Os leitores chegaram a solicitar à editora que revelassem quem era ao romancista. O pai, quando soube, experimentou uma alegria que nunca sentira. A história melodramática e simples fez chorar muita gente na Inglaterra.

Quando foi lançado O Morro dos Ventos Uivantes, em 1846, sob o pseudônimo de Ellis Bell, Emily contava 28 anos. O romance de Charlotte encontrava-se na segunda edição. Os leitores, que haviam vibrado com as desventuras de Jane Eyre, não podiam compreender a violência da obra de Emily, posteriormente considerada a mais talentosa das irmãs Bronte e uma das maiores romancistas da literatura universal.

Emily sacode a cabeça como que tentando livrar-se das lembranças do passado. Ela está com trinta naos, mas sente-se extremamente cansada e deprimida. Era tarde para reavivar os sonhos antigos. Nunca poderiam coltar aos dias de Angria. Patrick morrera havia três meses, embrigado, aos 31 anos. Anne definha dia a dia. Para Emily, a vida não tem mais sentido. Havia semanas que uma febre não a deixava. Quase não tem forças para cuidar da casa. Charlotte desconfia de seus males, pede-lhe que se deixe examinar pelo médico. Ela se recusa: não quer provocar compaixão nem inspirar cuidados. Sabe que a qualquer momento cairá para sempre. Não acredita em sua obra. Parece-lhe que jamais poderá revelar seu mundo interior, suas esperanças não alcançadas.

Cansada de tantas recordações, Emily Bronte lentamente se levanta de sua cadeira, acaricia com o olhar os cabelos opacos das irmãs, sente vontade de fazer um gesto de carinho, e, no entanto, teme parecer ridícula. Ao erguer-se, esbarra na caixa de costura, que cai no tapete, esparramando carretéis e tesouras, dedais e botões. Em silêncio, abaixa-se para apanhá-los e descobre entre eles um soldadinho de baioneta quebrada e pintura gasta. Enquanto sobe os degraus para dirigir-se ao seu quarto, deixa rolar uma lágrima amarga e solitária pelo último dos heróis de chumbo: era 19 de setembro de 1848, duas horas da tarde. Ela deixa o mundo da mesma maneira que viveu: em silêncio, introspectiva, com sentimentos borbulhando no peito, o coração comprimido pelas emoções, mas sem conseguir externá-las. Se não fosse por O Morro dos Ventos Uivantes, ninguém saberia que alma inquieta existiu dentro de um corpo frágil e de um espírito iluminado!

Fonte: coleção obras-primas - grandes autores - vida e obra.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Anton Tchekhov

Anton Tchekhov


1860 - Em 17  de janeiro nasce Anton Pavlovitch Tchekhov, em Taganrog, na Rússia, filho de Pavel Yegorovich Tchekhov e Yevgenia Morozov.
1875 - O pai de Tchekhov foge da cidade e abandona a família quando sua mercearia vai à falência.
1879 - Tchekhov ingressa na faculdade de Medicina, na Universidade de Moscou.
1882 - Torna-se colaborador de um periódico humorístico de São Petersburgo, escrevendo contos e vinhetas.
1884 - Começa a praticar a medicina. Apresenta os primeiros sintomas de tuberculose.
1887 - Alcança sucesso literário em São Petersburgo com sua primeira peça, Ivanov.
1890 - Viaja pela Sibéria para entrevistar prisioneiros e exilados.
1895 - Escreve A Gaivota.
1896 - A Gaivota estréia no teatro e é cancelada após a quinta apresentação.
1897 - O estado de saúde de Anton se agrava.
1898 - A Gaivota é produzida com sucesso pelo Teatro de Arte de Moscou.
1899 - Tio Vânia é encenada com sucesso no Teatro de Arte de Moscou.
1901 - Estréia As Três Irmãs (*), obra considerada sua maior criação. Anton se casa com Olga Knipper.
1904 - É produzida a última peça de Tchekhov, O Jardim das Cerejeiras. Em 2 de julho Anton morre de tuberculose, na Alemanha.

(*) As Três Irmãs
Escrita e encenada em 1901, a peça As Três Irmãs conta a história de Olga, Irina e Macha. Juntamente com o irmão e a cunhada, elas conversam sobre banalidades com oficiais de uma unidade militar. Apesar da aparente superficialidade do tema, a grande força da obra está nas entrelinhas. Sufocadas pela vida provinciana, as irmãs sonham em voltar a Moscou, cidade em que passaram uma infância feliz, mas o projeto fracassa sob o peso da inércia de sua existência.

Como consequência da invasão da Rússia pelas tribos dos tártaros-mongóis, no século XIII, os camponeses russos perdem suas casas e são colocados nas propriedades dos russos ricos. No fim do século XVI eles passam a ser totalmente controlados pelos proprietários de terras, e no século seguinte a servidão se torna hereditária. Sua condição é semelhante à dos escravos, e eles podem ser vendidos a outros proprietários, em família ou individualmente.

A estrutura da sociedade russa passa por uma alteração permanente quando Anton Tchekhov tem apenas um ano de idade: em fevereiro de 1861 os servos são emancipados.

Em 17 de janeiro de 1860, na cidade portuária de Taganrog, no litoral do mar Negro, nasce Anton Pavlovitch Tchekhov. Terceiro dos seis filhos de Pavel Yegorovitch Tchekhov, dono de uma mercearia, e de Yevgenia Morozov, uma esposa e dona-de-casa dedicada e exgtremosa. O comportamento tirânico do marido não abala o amor que Yevgenia tem por ele, mas deixa cicatrizes profundas em Anton e nos dois filhos mais velhos, que jamais esqueceriam as terríveis cenas á mesa, provocadas por situações insignificantes.

No entanto, o casal tem em comum a ambição de ajudar os filhos a estudar e a aproveitar as coisas boas da vida que eles próprios não haviam tido oportunidade de desfrutar. Pavel faz questão de que os filhos compartilhem seu amor pela música e pela arte. Contra a vontade da mulher, matricula Anton e um dos irmãos, Nikolai, na escola paroquial grega, uma espécie de reformatório para filhos rebeldes de marinheiros, artesãos e comerciantes gregos que desejam manter os filhos longe das ruas e das docas.

As disciplinas são ministradas em grego, e os dois meninos, além de não conseguir acompanhar as aulas, são discriminados pelos colegas e castigados pela professora, que lhes impõe castigos físicos.
Anton e Nikolai não se queixam para o pai, mas se abrem com a mãe, e só na época do Natal Pavel fica a par do que acontece. Depois, atenendo aos pediso da esposa, matricula Anton na escola preparatória de meninos de Taganrog.

Ainda na adolescência Anton começa a escrever algumas anedotas e sátiras, além de uma peça, Órfão de Pai, que mais tarde destruiria.

Em 1875, quando a mercearia de Pavel vai à falência e ele se vê ameaçado de prisão por dívidas, vai buscar trabalho em Moscou, onde os dois filhos mais velhos cursam a universidade. A mãe fica com os filhos menores, e acaba perdendo a casa para um burocrata local que se faz passar por amigo da família. Ela e as crianças, então, partem para Moscou em julho de 1876, deixando Anton em Tanganrog para concluir os estudos. A família passa por dificuldades financeiras enquanto Pavel procura emprego, e Anton os ajuda vendendo artigos de utilidade doméstica e dando aulas particulares. Em 1877 Pavel consegue emprego no almoxarifado de ma fábrica de roupas, e em 1879 Anton conclui os estudos do colegial e segue para Moscou, onde obtém uma bolsa para cursar Medicina na Universidade de Moscou.

Anton começa a escrever não tanto para dar vazão à expressão artística, mas pela necessidade de ganhar dinheiro para se sustentar e ajudar a família. Sua primeira publicação ocorre num periódico humorístico semanal de São Petersburgo, em março de 1880. Depois disso continua escrevendo para publicações do mesmo gênero, sob diferentes pseudônimos, sendo que o mais comum deles é Antosha Chekhonte, apelido dado a ele anos antes por um professor.

Em 1882 Anton Tchekhov conhece Nicolas Leykin, editor da mais famosa revista humorística de São Petersburgo, e passa a ser seu colaborador. A revista Oskolki distingue-se das demais do gênero pela qualidade editorial. Leykin impõe o limite de duas páginas e meia para cada artigo ou história; graças a essa limitação Tchekhov desenvolve a habilidade da concisão e acaba se tornando o primeiro mestre moderno em prosa e contos.

Os anos de 1883 a 1885 são bastante produtivos para Anton Tchekhov, que precisa desesperadamente de dinheiro. Suas histórias que mais se destacam, nessa época, são: A Morte de um Oficial do Governo (1883), Gordo e Magro (1883), A Filha de Albion (1883), Camaleão (1884), Ostras (1884), Uma Noite Terrível (1884), Os Malfeitores (1885), A Desventura (1885) e Sargento Prishibeyev (1885).

Aqui já aparecem temas que predominariam na ficção de Tchekhov: a obsequiosidade e submissa tirania dos oficiais do governo; o sofrimento dos pobres; os caprichos e imprevisibilidade dos sentimentos; a ironia, os mal-entendidos, as desilusões e contradições que caracterizam a natureza humana.

Mas a arte de Tchekhov abrangeria temas mais sérios em meados da década de 1880: a fome em Ostras, o abandono em O Caçador, o remorso em A Desventura.

Em 1985 Tchekhov tem oportunidade de publicar suas histórias mais sérias no jornal Gazeta de São Petersburgo, histórias que Leykin e outros editores haviam rejeitado por não se enquadrarem no gênero humorístico de suas publicações. Pouco depois da primeira visita de Tchekov a São Petersburgo, em dezembro de 1885, ele é convidado a escrever para o mais conceituado jornal da cidade, o Novoye Vremya (Novos Tempos), cujo editor fez questão que ele passasse a escrever em seu próprio nome ao invés de usar um pseudônimo.

Em 1886 Tchekhov já alcançara notoriedade em São Peterburgo como escritor. Esse ano e o seguinte são ainda mais produtivos. Entre outras histórias, Grisha, A Feiticeira, Verochka e O Beijo demonstram a crescente habilidade de Tchekhov de retratar a vida através da mente dos personagens e de transmitir experiências sem pregar ou exemplificar atitudes.

É justamente por sua recusa em fazer julgamentos e oferecer soluções que Tchekhov recebe as críticas mais negativas. Mas ele se defende alegando que a literatura deveria retratar a vida como ela é. Que um escritor deveria ser tão objetivo quanto um químico.

Apesar do sucesso de Tchekhov e da perspectiva de ganhar dinheiro, as dívidas da família continuam a crescer, sobretudo por causa dos hábitos extravagantes dos dois irmãos mais velhos, Alexander e Nicolai, dívidas que Anton se dispõe a pagar. Enquanto isso, sua saúde se deteriora: em dezembro de 1884 percebe o primeiro sintoma de tuberculose. Embora médico, Tchekhov se recusa a admitir que tenha um problema sério de saúde.

No verão de 1887 viaja para as estepes da Rússia e Ucrânia oriental, incluindo uma visita a Taganrog. A viagem lhe traz de volta lembranças da infância e fornece material para A Estepe, que marca a entrada de Tchekhov na categoria dos maiores escritores russos e o início de sua maturidade lilterária. Nesse mesmo ano estréia como dramaturgo com a peça Ivanov, no Teatro Korsh, em Moscou. Já escrevera antes duas peças, que não chegaram a ser produzidas. A primeira grande contribuição de Tchekhov para a inovação do drama moderno foi A Gaivota.

Em 1888 Tchekhov recebe o Prêmio Pushkin da Academia Russa pela coletânea de histórias publicada no ano anterior. Em janeiro de 1889 Ivanov estréia em São Petersburgo com sucesso de bilheteria e de crítica. No entanto, Tchekhov começa a se ressentir da pressão de assistir aos ensaios, de orientar os produtores e de lidar com a imprensa. Os compromissos e entrevistas roubam-lhe o tempo que ele poderia usar para escrever. Até 1890 continua a escrever peças de teatro, entre elas, O Urso, A Proposta e O Casamento.

Em abril de 1890 Tchekhov viaja à Sibéria, onde visita a colônia penal na ilha Sakhalin, entrevista oficiais e escreve um relatório sobre as condições de vida dali. A viagem lhe fornece material para escrever Gusev, No Exílio e O Assassinato.

De fevereiro a março de 1891 o escritor trabalha em O Duelo. Em seguida faz uma viagem à Itália e à França, locais citados em Uma História Anônima e Ariadne. Passa o verão em Bogimovo, numa mansão emprestada por um admirador. Ali termina O Duelo. Em setembro retorna a Moscou onde atravessa o inverno escrevendo Uma História Anônima, Minha Esposa e A Borboleta.

Em março de 1892 Tchekhov e a família mudam-se para a recém-adquirida residência em Melikhovo. Tchekhov tem bom relacionamento com os camponeses locais, dá-lhes atendimento sem cobrar e os ajuda financeiramente. Suas experiências no campo acabam influenciando sua visão da vida rural em Peasants e In the Ravine. Frequentemente faz viagens a Moscou, São Petersburgo e sul da Rússia. A qualquer lugar que vai, é recebido e elogiado, mas logo se cansa das atividades sociais. Nessa época tem um relacionamento com Lydia Yavorsky, uma atriz de teatro.

Em 1895 Tchekhov escreve A Gaivota, peça que deliberadamente desafia as convenções do teatro do século XIX: não tem um personagem principal, a ação perde força em cada ato, ao invés de crescer, e não representa diretamente crises e sentimentos. A estréia no Teatro Alexandrino é desastrosa, e após a quinta apresentação a peça é cancelada. Tchekhov fica arrasado e promete a si mesmo jamais escrever outra peça. Mas empenha-se em concluir o manuscrito que seria produzido nos palcos como Tio Vânia.

Na noite de 22 de março de 1897 Tchekhov sofre forte hemorragia pulmonar e fica hospitalizado por duas semanas. Tem uma segunda hemorragia nesse período e, por fim, vê-se forçado a admitir que está gravemente doente. No verão seguinte pára de escrever, interrompe todas suas atividades, e seu estado de saúde melhora um pouco.

Em busca de um clima mais salutar, retoma a atividade literária na Riviera Francesa. Aí é procurado por Vladimir Nemirovich-Danchenko, do Teatro de Arte de Moscou, que o convence a lhe dar permissão para produzir A Gaivota Durante os ensaios ele conhece uma atriz da companhia, Olga Knipper, que mais tarde se tornaria sua esposa.

Em dezembro de 1898 o Teatro de Arte de Moscou apresenta A Gaivota pela primeira vez após a desastrosa estréia. No final do primeiro ato, depois de um profundo silêncio, a platéia explode em aplausos.

Em 1899 Tchekhov é eleito Membro Honorário da Academia Russa. Em 26 de outubro Tio Vânia estréia em Moscou com grande sucesso. Do princípio de 1900 até outubro Anton Tchekhov escreve As Três Irmãs, considerada sua obra-prima. A peça estrearia em 21 de janeiro de 1901.

Em maio desse mesmo ano Tchekhov casa-se com Olga Knipper. Em pouco tempo a união está desgastada. Ele passa longos períodos no sul, enquanto a mulher trabalha no teatro em Moscou ou viaja com a companhia.

No verão de 1901, em Yalta, a saúde de Tchekhov piora sensivelmente. Ainda assim ele não pára de escrever. Em março Olga sofre um aborto, e em julho, depois de recuperar-se, ela e o marido passam um mês e meio em uma casa de campo em Lyubimovka. Essas poucas semanas são talvez o período mais feliz da vida de casado de Tchekhov, mas em meados de agosto, sem explicações, ele parte inesperadamente de Lyubimovka. Durante o mês seguinte Tchekhov e Olga brigam por carta. De volta a Yalta, começa escrever O Jardim das Cerejeiras, que termina em outubro de 1902, mesmo ano em que publica O Bispo.

A essa altura a saúde de Tchekhov está péssima. Contrariando ordens médica,s viaja a Moscou para acompanhar a produção e os ensaios de O Jardim das Cerejeiras, que estréia em janeiro de 1904 com um sucesso estrondoso.

Em maio desse ano, a conselho médico, Tchekhov viaja para Badenweiler, na Alemanha, levando Olga consigo. A princípio seu estado de sáude parece melhorar, mas em 19 de junho ele sofre um ataque cardíaco. Recupera-se, mas sofre outro no dia seguinte. Na madrugada de 2 de julho acorda com falta de ar e delirante, e Olga chama o médico. Quando o médico chega, ele diz apenas: "Estou morrendo". Toma um gole de champanhe, à época considerado salutar para pessoas cardíacas, vira-se de lado e fecha os olhos.

Tchekhov é sepultado no cemitério do Mosteiro Novo-deviche, em Moscou. Embora bastante popular entre o público literário russo à época de sua morte, Tchekhov só se torna internacionalmente conhecido após a Primeira Guerra Mundial, quando suas obras são traduzidas para o inglês.

A influência de Tchekhov no conto e no drama moderno é imensa. As principais inovações são a economia de recursos narrativos, a concentração no estado de espírito dos personagens, o aspecto impressionista de certos pontos de vista e a ausência de uma trama tradicional.

Em sua obra Tchekhov combina a atitude objetiva de um cientista, como médico que era, com a sensibilidade e a visão psicológica de um artista. Retrata a vida cotidiana da Rússia na virada do século, com personagens caracterizados pela desesperança, frustração e indiferença, mesclando humor, ironia, comédia e drama.


Fonte: coleção obras-primas - grandes autores - vida e obra.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Voltaire

Voltaire


1694 - Nasce François-Marie Arouet em paris, no dia 21 de novembro.
1704 - Entra para o colégio de jesuítas Louis-le-Grand, em Paris.
1713 - Viaja para a Holanda, como secretário do marquês de Châteauneuf.
1715 - Volta a Paris.
1717 - É levado à Bastilha, onde permanece por onze meses. Escreve a peça de teatro Édipo. Escreve o poema épico Henriade. Adota o pseudônimo Voltaire.
1722 - Escreve a peça Artemire.
1726 - Vai para Londres, fugindo do cárcere.
1727 - Escreve Cartas sobre os Ingleses.
1729 - Volta a Paris.
1734 - Publica Cartas Filosóficas.
1747 - Escreve o conto Zadig.
1749 - Morre a marquesa de Châtelet, com quem Voltaire vivera por muitos anos.
1751 - Publica O Século de Luís XIV.
1752 - Publica o conto Micrômegas.
1755 - Muda-se para Les Délice, próximo a Genebea, Suiça.
1756 - Escreve Ensaio sobre os Costumes e o Espírito dos Povos.
1759 - Escreve Cândido, uma réplica a seus opositores.
1763 - Publica o Tratado sobre a Tolerância.
1764 - Publica Dicionário Filosófico.
1767 - Publica O Ingênuo.
1778 - A peça Irene é encenada na Comèdia Française. Morre em Paris em 30 de maio e é enterrado em Salier.
1790 - Seu corpo é transladado para Paris.

(*) Contos
Filósofo e porta-voz dos iluministas, Voltaire (pseudônimo literário de François Marie Aroeut) escreveu novelas satíricas, poema épico, cartas, tragédias e contos. Estes são caracterizados pela irreverência e pela crítica aos aproveitadores (Jeannot e Colin), aos abusos políticos (O Ingênuo), à corrupção e à desigualdade das riquezas (O Homem de Quarenta Escudos), a seus opositores (Cândido).
No final de uma vida atribulada, em que sofreu perseguições e passou alguns períodos na prisão e no exílio, foi chamado de volta a Paris e recebido em triunfo pela Academia e pela Comedie-Française.



François-Marie Arouet, ou Voltaire, nasceu em Paris, em 21 de novembro de 1694. Reinava Luís XIV. A França era grande, e os franceses, infelizes. Ou melhor, nem todos, porque para um pequeno setor da nobreza o monarca construiu sua armadilha dourada: Versalhes. A nova sede da corte era, basicamente, um suborno. A nobreza podia optar: continuar entre gado e campônios, nas fazendas, ou ir para Versalhes. E havia mais um incentivo: quem se mantivesse quieto sob o olhar do rei receberia como prêmio uma pensão.

A tentação era grande. E, enquanto ia sendo construído aquele sonho de jardins e salões a perder de vista, a nobreza afluía para usufruir uma vida brilhante e parasitária. A formação desse núcleo de versalheses ociosos mudaria o panorama intelectual da França. Abandonados os hábitos antigos, era preciso matar o tempo de outra form. A nobreza agora lia, organizara concursos, interessava-se por ocultismo e filosofia.

O espírito versalhês não se fez em um dia. Na infância de Voltaire, ainda se estava formando. E nessa época Nino de Lenclos, bela e inteligente cortesã francesa, ao sentir que envelhecia recolheu-se numa cidadezinha de província. Havia pouco se mudara para ali a família Arouet, e o olho treinado da cortesã distinguiu no menino François os "sintomas" do jovem literato. Acabou deixando-lhe uma herança de 2 mil francos com a condição de que fossem gastos em livros. E assim François mergulhou nas leituras que determinariam o curso de sua vida.

Aos dez anos, em 1704, entrou para o colégio de jesuítas Louis-le-Grand, em Paris. Terminado o curso, matriculou-se na faculdade de Direito. Mas não ia às aulas. Frequentava tavernas, perseguia as criadas e embebedava-se com relativa assiduidade. Para tirá-lo da libertinagem, o pai arrumou-lhe o emprego de secretário de um parente: o marquês de Châteauneuf, que estava prestes a embarcar para Haia, em 1713. Na Holanda, François não arriscou um tostão pela glória de seu rei. Apaixonou-se por Pimpette, graciosa filha de um exilado. Pilhado em flagrante, foi obrigado a voltar para Paris em 1715, aos 21 anos.

Seu regresso coincidiu com a morte de Luís XIV, o "Rei-Sol". Soba a regência liberal do duque de Orléans - já que Luís XV, o herdeiro do trono, era muito menino para governar -, o estilo de vida de Versalhes e Paris, antes refreado pela autoridade de Luís XIV, eclodiu em mil cintilações.

Magrinho, espirituoso e rápido improvisador,  jovem Arouet logo se introduziu nesse ambiente muito à vontade, e não tardou a sentir o sabor do sucesso mundano.

Mas esse sucesso tornava sua língua cada vez mais ferina. Todas as boas anedotas que corriam sobre o Duque de Orléans lhe eram atribuídas. E custaram-lhe a liberdade. Em 16 de abril de 1717, aos 23 anos, François Arouet foi levado à Bastilha, famoso cárcere parisiense onde se encontravam opositores políticos, intelectuais rebeldes e simples desafetos dos amigos do monarca.

Nos onze meses de cárcere, François escreveu uma peça para teatro - Édipo - e um longo poema épico - Henriade. Durante esse período adotou o pseudônimo Voltaire, cuja origem jamais explicou.
Mas prender um poeta por tempo excessivo tornaria o regente impopular entre os elegantes. Achando que a lição terminara, o duque ordenou a soltura de Voltaire e destinou-lhe uma razoável pensão anual.

A Bastilha não rendeu a Voltaire apenas a pensão. Édipo foi o grande sucesso teatral da temporada.
Com o dinheiro das apresentações, fez investimentos. Nunca mais teria dificuldades financeiras. O pai, que morrera em 1722, quando Voltaire contava trinta anos, podia repousar sossegado.

Embriagado pelo sucesso, lisonjeado por um séquito de aduladores, encenou sua segunda peça teatral: Artemire. A peça foi um fracasso, e a luzes se apagaram em torno de Voltaire, que começou a definhar. Em pleno declínio físico, contraiu varíola e entrou em estado de coma, do qual emergiu alguns dias depois para descobrir que Henriade o tornara novamente popular.

Em 1726, durante um jantar no castelo do duque de Sully, o Cavaleiro de Rohan perguntou em tom de desafio: "Quem é esse sujeito que fala tão alto?",  "Alguém, caro senhor", respondeu Voltaire, "que não precisa de um grande nome, porque faz respeitar aquele que possui." O cavaleiro engoliu a afronta, mas enviou seus lacaios para espancarem Voltaire à saída da recepção. No dia seguinte, coberto de ataduras, o poeta atravessou o teatro até o camarote do cavaleiro e desafiou-o para um duelo. Um nobre, contudo, não se batia em literatos; preferia encarcerá-los. Voltaire retornou à Bastilha, onde lhe ofereceram duas opções: permanecer nela ou emigrar para  a Inglaterra. Escolheu a segunda.

A Inglaterra desse período era muito diferente da França. Ao contrário da França, a nobreza não constituía uma casta fechada. Voltaire tornou-se amigo de Iorde Bolingbroke, nobre, comerciante e intelectual de certa reputação e travou conhecimento com os principais literatos do momento, entre eles Jonathan Swift.

A liberdade com que Bolingbroke, Swift, Pope, Locke, Berkeley e tantos outros filósofos e literatos discutiam religião e política deixou Voltaire perplexo. Do outro lado do canal da Mancha, esses autores estariam na Bastilha antes mesmo de pensar em publicar seus livros. O que Voltaire presenciava naqueles animados serões era o desabrochar do Iluminismo inglês.

Em 1729, serenados os ânimos, Voltaire retornou a Paris. Estava com 35 anos e era mais famoso por sua língua ferina que por sua pena. E provavelmente teria continuado por muito tempo assim se um editor, sem sua permissão, não resolvesse publicar em 1734 as Cartas sobre os Ingleses, que ele escrevera quando estava exilado na Inglaterra, com o título de Cartas Filosóficas.

O Parlamento de Paris mandou queimar o livro por considerá-lo escandaloso, contrário à religião e à moral. Pressentindo o cheiro da Bastilha, Voltaire resolveu escapar a tempo. E, para amenizar o isolamento, levou consigo Êmilie de Breteuil, marqueza de Châtelet.

No ano seguinte, por influência de amigos na corte, a condenação foi revogada, mas Voltaire continuava indesejável em Versalhes, e permaneceu no Castelo de Cirey, propriedade da marquesa Émilie de Breteuil, que despertara nele um amor sincero. E certamente também uma grande admiração. De quando em quando Voltaire aparecia em Paris, para em seguida ser visto em misteriosas viagens à Bélgica, Holanda e à corte prussiana, onde se fizera amigo de Frederico II. Prestando serviços de diplomata oficioso, tentava recuperar as boas graças de Versalhes. Em Cirey, pela segunda vez desde a infância, Voltaire se lançou com grande empenho e entusiasmo à literatura.
Ao mesmo tempo que criava peças para o teatro, iniciou um de seus trabalhos mais sérios - O Século de Luís XIV, em que pretendia revelar o sentido da história. Voltaire mal iniciara essa obra quando o cardeal de Fleury, conselheiro do rei, informou-o de que considerava ofensiva essa apologia de um rei que não teve como primeiro-ministro um príncipe da Igreja. E o autor, obediente, trancou a chave seu manuscrito, para só publicá-lo em 1751.

Morto o cardeal de Fleury, madame de Pompadour tornou-se a primeira influência na corte. Velha amiga e confidente do poeta, conseguiu-lhe o cargo de historiógrafo real, o que lhe permitiu reunir enorme documentação, o título de fidalgo e, finalmente, em 1746, um lugar na Academia.

Por essa época, Voltaire inaugurou um novo gênero literário: o conto filosófico, e passou a publicar alguns deles ao longo dos anos seguintes. Esses pequenos "romances", como ele os chamava, constituem, juntamente com seus artigos da Enciclopédia, que ele reelaborou e ampliou no Dicionário Filosófico (1764), a parte mais viva e atual de sua obra, Zadig (1747), Micrômegas (1752) e O Ingênuo (1767) têm em comum uma notável construção. Nada de supérfluo. São descarnados, puro diálogo e ação. Com uma veia cínica e cética na narração que revela o conhecimento dos textos de Swift, desfilam a corrupção dos funcionários, os amores eternos que duram duas semanas, as discussões teológicas que terminaram em massacres.

Em 1749, morria a marquesa de Châtelet, que Voltaire abandonara havia algum tempo em troca da vida versalhesa. Todavia, a morte da amiga abalou-o profundamente. A vida na França tornou-se amarga, e o poeta aceitou o convite para visitar a corte prussiana.

Frederico II, herdeiro do melhor Exército da Europa, era um príncipe muito especial. Admirador da França e do Iluminismo, desejoso de se tornar um clássico da língua francesa, importava a peso de ouro intelectuais da França para sua corte. Entre eles, Voltaire.

Mas em pouco tempo o rei e o escritor se desentenderam. Voltaire devolveu-lhe a chave de camareiro, a fita da Ordem de Mérito e procurou regressar à França em 1754. Mas em Frankfurt foi detido pelos soldados reais. Esquecera de devolver um poema satírico de autoria de Sua Majestade, que mão queria torná-lo público. O poema, porém, se perdera, e Voltaire permaneceu prisioneiro por duas semanas, até que se encontrou o manuscrito; só então ele pôde partir. Mas não queria volta à França imediatamente. Preferiu adquirir uma propriedade perto de Genebra, na Suíça. Em Les Délice, seu novo lar, escreveu o Ensaio sobre os Costumes e o Espírito dos Povos, em 1756, primeiro grande trabalho da historiografia moderna, que tenta mostrar como as sociedades evoluíram da barbárie para a civilização.

Nessa mesma época, juntou-se a D´Holbach, Condillac, Condorcer, Helvetius, Buffon, Montesquieu e iniciou a redação da Enciclopédia ou Dicionário Raciocinado das Artes e Ofícios. Sob a direção de Diderot, essa obra se tornaria a publicação mais importante do século XVIII, a bíblia do Iluminismo. Os verbetes de Voltaire estão entre os mais brilhantes da obra, mas não entre os mais profundos. Um deles, entretanto, sobre a cidade de Genebra - onde os protestantes haviam proibido os espetáculos de teatro -, provocou grande tumulto e obrigou-o a mudar de residência. Manteve Les Délices, mas comprou outra fazenda, em Ferney, na França, próximo à fronteira belga. No dia de Todos os Santos do ano de 1755, um terreno em Lisboa fez desabar as igrejas. Trinta mil pessoas ficaram sepultadas sob os escombros, e o clero francês explicava dos púlpitos que Deus castigara dessa forma o povo de Portugal por seus pecados.

Leibniz, grande matemático e filósofo, por seu lado, sustentara que "vivemos no melhor dos mundos possíveis". A resposta de Voltaire resultou no melhor de seus "contos filosóficos": Cândido, ou O Otimismo, publicado em 1759, em que Leibniz aparece sob a caricatura do dr. Pangloss.

Enquanto o infeliz Cândido é vítima de injustiças, prepotências e loucuras, o dr. Pangloss garante-lhe que há motivos para ele se alegrar, já que vive no melhor dos mundos possíveis. Moral da história: o melhor é cultivar nosso jardim particular e deixar que o mundo enlouqueça lá fora.

Foi precisamente o que Voltaire procurou fazer em Ferney. Transformou a fazenda maltratada numa gleba produtiva, distribui justiça, dirigiu a irrigação, abriu escolas. E teria continuado nessas atividades se não tivesse recebido, num dia incerto de 1761, a visita de uma família aterrorizada, contando uma fúnebre história de perseguição. Um jovem suicidara-se em Toulouse. Havia, contudo, uma lei pela qual o corpo dos suicidas deveria ser arrastado pelas ruas e, depois, enforcado em público. O pai do rapaz, Jean Calas, arranjara tudo para que o suicídio parecesse morte natural e o corpo do filho fosse respeitado. Mas Calas era protestante, e acabou sendo acusado de ter assassinado o filho para que não se convertesse ao catolicismo. Foi preso, torturado e condenado à morte.

Enquanto Voltaire defendia a família e a memória de Jean Calas, o corpo de uma certa Elisabeth Sirven foi encontrado num poço, no ano de 1762. A família também era protestante, e o juiz acusou os pais de terem matado a jovem. Voltaire lançou uma campanha, contratou advogados, redigiu defesas e enviou-as para os tribunais. E foi nessa época que escreveu o Tratado sobre a Tolerância, publicado em 1763.
Esses casos ainda estavam na ordem do dia quando, em 1767, o jovem La Barre, de família protestante, foi acusado de mutilar crucifixos. Ao ser preso,  encontraram em seu poder um exemplar do Dicionário Filosófico, escrito com a intenção explícita de ridicularizar o fanatismo católico.
Do caso La Barre em diante, a atividade de Voltaire assemelhou-se à erupção de um vulcão: inundou o país de panfletos, livros, ironias, apelos. Todas as suas cartas terminavam com um veemente apelo: "Esmagai o infame". Voltaire passou a ser aclamado pelo povo, pelo clero e pelos cortesãos iluministas o apóstolo do progresso. Tomado de gosto pelo papel de "defensor público", passou a lutar por todos os que lhe pareciam injustiçados.

Morto Luís XV, nada mais o impedia de retornar a Paris. Sua volta foi uma apoteose. Mas a viagem desgastou-lhe as forças, e ele acabou recebendo as centenas de visitantes retido no leito.

Um padre foi receber sua confissão. "Quem o enviou"?, perguntou o enfermo. "Deus em pessoa", respondeu o padre. "Bem, vejamos então as credenciais..."

O melhor era chamar alguém que conhecesse Voltaire. Mas um abade de suas relações recusou-se a ouvir a confissão se ele não assinasse sua submissão completa à Igreja Católica. O doente despachou-o, chamou seu secretário e ditou uma declaração: "Morro amando Deus, amando meus amigos, não odiando meus inimigos e detestando a superstição. 28 de fevereiro, 1778".

Mas, em vez de morrer, fez triunfal visita à Academia Francesa. Compareceu à Comédie, onde foi aplaudido durante longos vinte minutos. Cobriram-no com uma coroa de louros. Era a glória que ainda mantinha vivo aquele moribundo.

Por fim, entrou em agonia e lutou contra a morte como se travasse uma batalha corporal. Gritava como um possesso e ainda teve forças para expulsar do quarto um último padre. Mas em 30 de maio teve a batalha vencida. Voltaire, com 84 anos, mesmo morto, ainda daria algum trabalho: como em Paris recusaram-lhe sepultura cristã, os amigos colocaram o corpo numa carruagem, fazendo-o passar por vivo e levaram-no sentado até Salier, onde foi enterrado. Doze anos depois a Assembléia Nacional da Revolução obrigou Luís XVI a transladar o corpo para o Panteão de Paris. Setecentas mil pessoas seguiram o cortejo.

Sobre seu túmulo Voltaire pedira que escrevessem apenas uma frase: "Ele defendeu Calas".


Fonte: coleção obras-primas - grandes autores - vida e obra.

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