segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Augusto dos Anjos - Cem Anos de Poesia

Augusto dos Anjos

VERSOS ÍNTIMOS
Vês, Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O eijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja esta mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Augusto dos Anjos nasceu no dia 20 de abril, em Cruz do Espírito Santo, PB e morreu em 12 de novembro, em Leopoldina, MG.
Augusto dos Anjos era filho de usineiros que entraram em decadência no rastro das transformações políticas e econômicas causadas pela Abolição e pela Proclamação da República. Formou-se em Direito, no Recife, onde tomaria conhecimento das doutrinas materialistas e evolucionistas de Comte, Darwin e Spencer, que marcariam a sua visão do mundo e a sua poesia. Formou-se em 1907, retornando à terra natal como professor do Liceu Paraibano. Em 1910, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde lecionou no Ginásio Nacional, hoje Colégio Pedro II.
Publicou seu primeiro poema, o soneto Sau-dade, aos 15 anos. Se amigo Orris Soares descreve o poeta, na época: "Apresentava uma magreza esquálida, faces reentrantes, olhos funods, olheiras violáceas e testa descalvada." Augusto dos Anjos estava condenado pela crítica ao ostracismo. Os modernistas, por exemplo, consideravam seus poemas verborrágicos, de profundo mau gosto. Foi o público leitor quem deu fama póstuma ao poeta. Carlos Augusto Correa ressalta "a maneira inaugural como o poeta desnaturalizou o cimento de uma ideologia caduca e parnasianíssima, e soube trazer para o bojo do poema, numa espécie de síntese rejuvenescida, o material científico e filosófico de sua época."
Seu único livro publicado em vida, Eu, financiado por ele e pelo irmão Odilon, é hoje um dos mais lidos no Brasil, com mais de 40 edições, que vem apresentadas por nomes como Álvaro Lins, Francisco de Assis Barbosa, M. Cavalcanti Proença, Alceu Amoroso Lima, Otto Maria Carpeaux e Manuel Bandeira. Ferreira Gullar observa que "a necessidade de não se desprneder do vivido, de não traí-lo, de não disfarçá-lo com delicadezas, de erguê-lo de sua vulgaridade à condição de poesia e o salto que a sua obra significa". E enfatiza: "Há poetas que escreveram muitos livros mas só alguns poemas realmente significativos. E poucos são aqueles que conseguiram realmente criar uma obra poética, um universo poético próprio. Augusto dos Anjos é um destes."
Em Augusto dos Anjos há uma ausência de poemas de amor carnal, que, para ele, não era amor, não passava de "comércio físico nefando". O amor-amizade, no qual acreditava, encontrou-o em 1910, ao se casar com Esther Fialho, com quem teve dois filhos.
Em 1914, já tuberculoso, mudou-se para Leopoldina, em Minas Gerais, onde foi nomeado diretor do Grupo Escolar. Meses depois, morreu como viveu: na obscuridade. Um amigo, ainda enlutado, ao encontra-se por acaso com Olavo Bilac, recitou versos de Augusto dos Anjos. Ao terminar, Bilac exclamou: "Era este o poeta que morreu? Ah, então fez bem em morrer. Não se perdeu grande coisa."
A história provou o contrário.

VANDALISMO

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva gúlgida e nas colunatas
Verem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Com os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E ergendo os gládios e brandido as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

"E a minha obscuridade bem o contata; esta mesma obscuridade que herdei dos meus antepassados, e que tem sido o fanal da minha modesta existência, porque nela fulge a luz do dever, hoje tão infelizente ofuscada pelos falsos reflexos das convenções transitórias."
(Augusto dos Anjos)

"Augusto dos Anjos morreu aos 30 anos. Não creio, porém, ue, se vivesse mais, atenuasse as arestas de sua expressão formal. Esta lhe er congênita e persistiria sem dúvida, como persistiu na maturidade de Euclides da Cunha, em cuja prosa deparamos com o mesmo ímpeto explosivo e indomável."
(Manuel Bandeira)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Manoel de Barros

Manoel de Barros
"Tudo que não invento é falso."

Carrego meus primórdios num andor.
Minha voz tem um vício de fontes.
Eu queria avançar para o começo.
Chegar ao criançamento das palavras.
Lá onde elas ainda urinam na perna.
Antes mesmo que sejam modeladas pelas mãos.
Quando criança garatuja o verbo para falar o que
não tem.
Pegar no estame do som.
Ser a voz de um lagarto escurecido.
Abrir um descortínio para o arcano.

Manoel de Barros nasceu no dia 19 de dezembro de 1916, em Cuiabá, MT. Na primeira infância, Manoel de Barros foi criado numa fazenda, no Pantanal mato-grossense. Aos oito anos, porém, o pai o mandou para o Colégio São José dos Irmãos Maristas, no Rio de Janeiro, internato onde permaneceu até completar o curso secundário. Manoel tinha saudades de casa, não conseguia se concentrar nos estudos, e era considerado um mau aluno. Aos poucos, começou a se interessar pelos livros. Leu Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e padre Antônio Vieria. "Só aos 13 anos descobri a forma de escrever. E foi lendo o padre Vieira. Descobri a sintaxe que produz o equilíbrio sonoro das palavras."
Após o internato, Manoel de Barros mudou-se para uma pensão no bairro do Catete e ingressou na Faculdade de Direito, onde participou ativamente da militância política de esquerda. Nesta época, tornou-se membro do Partido Comunista, que só viria a abandonar anos mais tarde. Na faculdade, experimentou o desregramento dos sentidos proposto por Rimbaud e identificou-se com a obra de Oswald de Andrade - uma vez que, para ambos, a poesia estava justamente nos desvios das normas da linguagem.
Depois de formado, Manoel de Barros voltou para o pantanal. Em seguida, fez longas viagens pela América do Sul e conheceu Nova York, onde ingressou em cursos de cinema e de história da arte. O primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado, de 1937, produzido artesanalmente pelo autor e alguns amigos, teve apenas 21 exemplares impressos.
Com a morte do pai, em 1949, Manoel de Barros herdou as terras de Cuiabá. Tornou-se fazendeiro, mas não abandonou o verso: fundiu seu interesse pelo estudo da filologia do universo telúrico do pantanal, abolindo tanto as fronteiras entre os reinos vegetal, mineral e animal, quanto as que existem entre as categorias gramaticias.
O poeta só alcançou o reconhecimento na década de 80, pelas mãos de Millôr Fernandes e Antônio Houaiss, e teve seus poemas reunidos sob o título Gramática expositiva do chão. "A evolução de meu trbalho em relação ao primeiro livro é linguística. Também me tornei mais fragmentado, o que é consequência do mundo moderno, sem ideologias. Com o tempo, a gente perde a unidade divina", explica o próprio poeta.
Em 1996, com seu Livro sobre nada, Manoel de Barros ganhou o prêmio Nestlé e passou a viajar pelo Brasil por conta de um reconhecimento cada vez maior. Nos últimos anos, vem publicando vários livros infantis num reencontro do "alquimista do verso" com o menino pantaneiro. Surpreendendo a cada livro, Manoel ressalta sua identificação com a obra do romancista mineiro Guimarães Rosa, a quem disse uma vez: "Temos que enlouquecer o nosso verbo, adoecê-lo de nós, a ponto que esse verbo possa transfigurar a natureza. Humanizá-la."

"Gosto de fazer remontamentos de imagens. E oralidades remontadas. Faço colagem. Tentei uma gramática do êxtase, mas não encontrei."

"Não conto nada na reta, escrevo sempre nas linhas tortas, como digo aliás num poema. Na minha poesia parece que tem muita coisa de fora, mas é tudo de dentro. Sou muito preparado de conflitos."
'Não acredito em inspiração. Primeiro anoto tudo em meu pequeno caderinho, juntando minhas experiências existenciais e linguísticas. Quando termina esta fase, que dura dois, três, quatro anos, vou aos cadernos para catar os poemas e dar-lhe a forma definitiva."
(Manoel de Barros)

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