HOJE ESTOU TRISTE como alguém que quer chorar
E já não sabe n alma
Como é que nos olhos se chora...
Entre mim e o sol plácido da calma
Nuvens sinto passar
Rápidos tédios sobre o chão da Hora...
Não sei quem sou perdidamente
Há alamedas de jardins verustos
Naquela angústia com qeu quero o ausente
Ser, tempo, cor das cousas, que me arranque
Desta monotomia com arbustos
Na vida, com buxo calmo, com som de tanque...
O século dezoito que havia em mim,
Pelo menos em lágrimas, passou
Com um ruído de cetim...
No ar de Pompadour já triste
Do teu imaginado vulto errou
Do meu presente o mal que em mim existe...
Meu corpo pesa no meu pensamento
De nunca deslocar-me até à alma
E ter sempre o momento
Aqui eterno enquanto dura...
Não haver villas de romana calma
Por estradas atingidas de amargura...
O sol acorou-me num disfarce
Da natureza do meu triste amor
Por tudo quanto passou
E eu vejo como se nunca passasse
Mas ele passa e tem no gesto a cor
Das cousas vistas na alma irreal que sou.
Não deixes, minha sombra amarelada
De branco, bruxuliante
Na hera do teu jardim, de esta ciciada
Dança erma e galante
Das palavras trocadas em disfarce
Dum pensamento vago que atravessa
As salas que estão diante...
Deixa que a brisa como um cisne passe
No lago da visão que cessa.
(POESIA - 1902-1917 - Fernando Pessoa)