terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Luiz Ruffato - estive em Lisboa e lembrei de você

Luiz Ruffato -
 estive em Lisboa e lembrei de você
Companhia das Letras, 2009


estive em Lisboa e lembrei de você não foi presente. Comprei depois de uma conversa com um amigo que me relatou a maneira especial com que conheceu o autor Luiz Ruffato - em um voo, ao acaso -, com que trocamos sobre como anda a literatura no Brasil, novos e antigos autores, com que me fez pesquisar na rede o autor, suas entrevistas, e finalmente o livro "estive em Lisboa e lembrei de você". Não, também não estive em Lisboa mas ele esteve recentemente e certamente ainda não leu o livro (e nem contei que o adquiri) mas eu estou aqui, com o caro livro carinhosamente informado, adentrando nesta história que já se fez antes que dele, minha pois se um amigo encontra Luiz Ruffato e alegremente vem contar como foi esta história, sei que a literatura já faz parte de nossa caminhada e isto é compartilhar antes que livro, amizade.

Leitura leve, aprofundada no 'chão da fábrica', ou seria 'da vida'?!

O autor tece uma narrativa subjetiva entrelaçando os ambientes e personagens onde se constrói rapidamente a condição sócio-econômica do ambiente e seus vícios inerentes, oriundos de uma sociedade estagnada, que muitas vezes ama essa condição de estagnação por puro 'deixar-se ficar', assim como o passar de uma tarde de domingo, sem proposta concreta, sem perspectiva, visto a certeza da segunda-feira.

"Acendi um cigarro, ele trouxe uma garrafa de cerveja, dois copos, não podia ver ninguém bebendo sozinho, "Me dá aflição", brindamos, sumiu atrás da mulher, "Vou pedir pra ela fazer um tiragosto especial, 'xa com migo". Deste dia, rcordo borrões, a cheirosa maçã-de-peito acebolada, um esfomeado viralata desavergonhadamente submisso, o entra-e-sai de meninos e meninas magros e esfarrapados, "Seu Pimenta, me dá um litro de água-sanitária", "Seu Pimenta, a mãe mandou perguntar se o senhor pode vender uma garrafa de Coca-ola pra pagar no sábado", "Seu Pimenta, o senhor tem bomba-de-flit?". "Seu Pimenta, o pai pediu pra colocar isso na vaca"!Seu Pimenta, me dá uma caixa-de-fósforo" - seu Pimenta, o Chacon, levantava, entregava a mercadoria, anotava o fiado num bloquinho com papel-carbono, sentava, reavivava o colóquio, "Que nem o Flamengo de oitenta-e-um, nem o Santos de Pelé", nem o Santos!". No final da trde, o pessoal que labutava do outro lado da rua, virando areia e dimento, empurrando carrinho-de-mão lotado de massa pra uma construção no alto do barranco, apreceu, tomaram pinga, comeram jiló cozido e linguiça frita, jogaram conversa fora, e levei um baita susto quando acordei, o sol queimando a minha cara, terça-feira, no meu quarto na Taquara Preta, a cabeça latejando."


O livro relata a história de Serginho, em forma depoimento, nascido em Cataguases (MG), gravado em quatro sessões, sendo uma parte feita no Brasil, quando tinha vida de modesto operário da Seção de Pagadoria da Companhia Industrial Cataguases, quando tenta mudar de vida, parando de fumar. Namora 'amadoristicamente' e por azar do destino, engravida a visinha, Noemi, moça de idéia fraca que foi 'pega pelada em frente à Prefeitura' e que vendo ir para o brejo o casamento com Noemi, a exemplo do emprego, Serginho, de posse de umas raspas de herança deixada pela mãe, contempla o projeto de se bandear para Portugal, onde sacos de dinheiro estão supostamente à espera de quem não foge de trabalho duro.

"Resolvi explorar a experiência do seu Oliveira, que ultimamente, de dois em dois anos, viajava pra lá, encostei no balcão, pedi uma cerveja, um pratinho de azeitona, e desembainhei um questionário, "Como é que um sujeito chega em Portugal?", "De avião, ora pois", "Como é que é um avião por dentro?", "Apertado", "De onde sai o avião?", "Do Rio de Janeiro", "Quanto tempo demora a ida?", "Umas nove horas", "E a volta?", "Mesma coisa, ora pois", "Tem banheiro?", "Evidentemente", "Dá pra dormir?", "Até ronco", "Tem comida?", "A da TAP é boa", "E o país?", "O melhor lugar do mundo", "Onde um sujeito, que quiser ir, compra a passagem?", "Em Juiz de Fora", "Quando custa mais ou menos?", "Uns mil dólares, dependendo da época", "Mil dólares?", "Dependendo da época", "Que mais um sujeito, que quiser ir, precisa saber?", "Tem que tirar passaporte..", "Passaporte?", "Um documento universal", "Hum...", "E tem que trocar o dinheiro", "Onde o sujeito arruma o tal passaporte?", "Na Polícia Fedral, em Juiz de Fora", "E o quê que o senhor falou de dinheiro?", "Tem que trocar, levar euro", "E se o sujeito nem nunca viu um euro de perto?" "Guardo comigo umas notas, posso mostrar", e incentivou, com a minha cultura, a minha desenvoltura, a minha sáude, "Vá, Sérgio, empenhe-se, economize", pra, investindo em imóveis em Cataguases, garantir uma velhice tranquila, de papo-pro-ar, ..."

Que prosa!

Luiz Ruffato é autor do livro Leituras de Escritor (veja aqui postagem anterior).

Luiz Ruffato nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1961. De acordo com ele mesmo, já foi "pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente de lanchonete, vendedor de livros autônomo e novamente jornalista". Formado em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, publicou vários livros, entre os quais a série Inferno provisório e o aclamado Eles eram muito cavalos, traduzido para o francês, o italiano e o espanhol e ganhador dos prêmios APCA e Machado de Assis.

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