domingo, 8 de setembro de 2013

Gustave Flaubert

Gustave Flaubert

1821 - Nasce Gustave Flaubert, em Ruão, Normandia, França, filho de Achille-Cléophas Flaubert e Justine Caroline Fleuriot.
1832 - Entra para o Colégio Real.
1836 - Conhece seu grande amor, Elisa Schlesinger, em Trouville.
1837-39 - Redige o drama Luis XI e as novelas Fantasia de Inferno, Paixão e Virtude e Memórias de um Louco.
1844 - Tem o primeiro ataque nervoso. Na primavera, o pai de Flaubert adquire a propriedade de Croisset.
1846 - Morrem o pai e a irmão do escritor. Flaubert instala-se em Croisset com a mãe e a sobrinha. Inicia o romance com Louise Collet.
1848 - Revolução contra o rei Luís Filipe. Morre Alfred Le Poittevin. Inicia As Tentações de Santo Antônio.
1849 - Viagem ao Oriente.
1852 - Golpe de Estado em Paris: ascensão de Napoleão Bonaparte. Flaubert retorna a Croisset. Inicia a escrita de Madame Bovary (*).
1856 - Madame Bovary  começa a ser publicada na Revue de Paris. Escreve Os Mercenários.
1857 - É aberto processo contra Flaubert, Absolvido, o escritor edita Madame Bovary com grande sucesso. Inicia o romance Salammbô.
1869 - Reescreve As Tentações de Santo Antônio. Publica A Educação Sentimental. Louis Bouillet morre em 18 de julho.
1870 - Caem Napoleão Bonaparte e a monarquia. Iniciada a Guerra Franco-Prussiana.
1872 - Morre a mãe do escritor.
1876 - Inicia o romance Um Coração Simples. Morre Louise Collet. Inicia Bouvard et Pécuchet.
1880 - Morre em 8 de maio, aos 58 anos.

(*) Madame Bovary
Madame Bovary é tido como o mais importante romance da literatura francesa. Nessa obra Flaubert narra a história do casamento, adultério e trágico fim de Emma Bovary, mulher que alimenta sonhos românticos e que, lentamente sufocada pela vida da província e pelo casamento tedioso, entregou-se a relações extraconjugais. A obra custou ao autor um processo por "ofensa à moral pública e religiosa e aos bons costumes".


Lá fora, o inverno. As flores do pátio morreram. As folhas dos plátanos foram ficando douradas e caíram. O pequeno rio gelado não é mais que um filete de vidro. Até mesmo a estátua de Corneille, sobre a ponte de pedra, está coberta de neve.

Ruão, 1821. O doutor Achille-Cléophas Flaubert não contempla a paisagem. Passa muitas vezes ante a janela embaçada. A sabedoria do médico-cirurgião se tornou inútil e a longa experiência profissional de nada lhe serve. Há horas que anda de um lado para o outro . De repente pára, apruma o ouvido, sorri: acaba de nascer seu segundo filho.

Os recém-nascidos são geralmente levados da maternidade para casa Mas a casa de Gustave Flaubert é o próprio hospital, o Hôtel-Dieu. Um lar sem dúvida pouco propício para o desabrochar do mundo alegre e puro de uma criança. Recompensa-o, no momento, ouvir histórias de fadas e relatos fantásticos ou brincar com os irmãos, Chille e Caroline.

Aos dez anos vai estudar no renomado Colégio Real. Gustave é uma criança distraída e desinteressada. Prefere cultivar e devorar romances em vez de estudar matérias obrigatórias. Nos intervalos da aula Gustave lê. Gosta de romances históricos, de aventuras maravilhosas, de poesias carregadas de sentimento que caracterizam o Romantismo. E um dia resolve escrever também. Compõe narrativas históricas e alguns contos, seguindo os padrões de suas leituras preferidas. Redige o semanário escolar Arte e Progresso.

Aos quinze anos descobre o teatro. Atraem-no as peças de Shakespeare, Alexandre Dumas, pai e Victor Hugo.

Decide, então, compor um drama em prosa, em cinco atos, Luiz XI. Pouco tempo mais tarde, no inverno de 1837, aos dezesseis anos, descontente com a aventura teatral, redige seu primeiro romance, Paixão e Virtude. Nessa obra imatura e juvenil vislumbram-se os germes de suas grandes criações: a heroína, Mazza, contém os traços que reaparecerão em Ema Bovary. A minúcia com que descreve a paisagem e o ambiente, o esforço para encontrar, em seu vocabulário de adolescente, a palavra exata, a preocupação de harmonizar temperamento e ação, enfim, todas as características do futuro Flaubert já se anunciam timidamente nessa primeria narrativa literária.

É nessa época que descobre o amor. Amor de adolescente por uma mulher casada, onze naos mais velha: Elisa Schlesinger. Tanto ela quanto o marido gostam muito de Flaubert. Levam-no a passeios de barco, convidam-no para jantar e se preocupam com seus problemas. Gustave nunca falou à amada de amor, nunca esboçou um gesto de carinho: adora Elisa em silêncio. Ela respeita-lhe os sentimento. Trinta anos mais tarde, numa carta apaixonada, Flaubert finalmente declarou que a amava. Embora viúva, não quis esposá-lo. O amor impossível e constante inspirou-lhe quatro livros: Memórias de um Louco (1838), Novembro (1842) e as duas versões de A Educação Sentimental. Na primeira versão, escrita em 1845, ainda sob o impacto de sua experiência amorosa, o jovem Flaubert confere um desenlace feliz a sua paixão, acreditando ainda que, para conquistar a felicidade, bastaria desejá-la com toda a força. Anos mais tarde, ao redigir a segunda versão da obra (1869), reconhece o engano de sua mocidade. Inicia o livro com uma saudosa evocação de Elisa Schlesinger (a sra. Arnoux do romance) e termina com a melancólica despedida de Frédéric Moreau (nome que atribui a si próprio no enredo).

Embora infeliz no amor e ávido de escrever, Flaubert compreende a necessidade de cumprir os desejos paternos: diplomar-se advogado. Vai para Paris em 1840, aos dezenove naos, estudar. Sem entender nada das aulas nem dos compêndios, cursa a faculdade. Deixa crescer a barba, fuma cachimbo sem parar, vai ao teatro sempre, frequenta bons restaurantes, gasta despreocupadamente todo o dinheiro que o pai lhe manda.

A reprovação nos exames, no entanto, abalam Flaubert, e o faz ter o primeiro ataque nervoso. E é esse ataque que faz com que os pais desistam de insistir para que ele conclua os estudos. Flaubert, então, abandona o curso e vai morar com a família na vila de Croisset, à margem do Sena. Ali passa o resto da vida, e assiste, no espaço de três meses, á morte do pai da irmã Caroline, falecida em 1846, aos 22 anos, após dar à luz uma menina.

Os anos passam. Em 1846 Gustave Flaubert conhece a flamejante Louise Collet. Separada do marido, mãe de uma adolescente, amante do filósofo Vítor Couisin, sucumbe de imediato á atração pelo escritor e com ele vive uma tempestuosa aventura.

A grande paixão de Flaubert, no entanto, continua sendo a literatura. Considera mais emocionante encontrar uma bela frase que amar uma bela mulher. Ao observar um fato interessante, ao experimentar novas emoções, fixa-as imediatamente num livro de notas, para usá-las mais tarde. Tal aspecto mostra o pendor de Flaubert para a escola literária realista, fato que o salva de criar nos exageros sentimentais característicos de alguns românticos decadentes.

Não é o caso de Flaubert. Sob a forma precisa e realista, revela um tédio em muito semelhante ao "mal do século" que, tendo sido desencadeado por Goethe, atingiria Chateaubriand, Alfred de Vigny, entre outros.

Demonstra ainda forte amor à natureza, lírico sentimento da paisagem, fantasias idílicas. Transfere para si os dramas vividos por seus protagonistas. Ao concluir Madame Bovary, declara: "Quando escrevi a cena de envenenamento senti na boca o gosto do arsênico, senti-me envenenado. Tanto que tive duas indigestões seguidas, duas indigestões reais...".

Flutuando entre um programa realista e o temperamento romântico, Flaubert acaba tão mergulhado na atividade literária que não cuida mais de Louise nem percebe as transformações políticas da França. Em 1848 rompe com a amante. O rei Luís Filipe entrega o poder a Napoleão Bonaparte. Flaubert acieta o fim da aventura maorosa sem sofrimentos e observa imperturbável os sangrentos episódios políticos. Quando muito se aborrece com a violência que testemunha. Não se envolve. Apenas registra alguns fatos que mais tarde relatará em suas obras. O que consegue sacudi-lo profundamente nada term a ver com a revolução ou com Louise Collet: a morte do amigo Le Poittevin. O próprio Flaubert fecha-lhe os olhos. É uma dor imensa, que abala sua saúde. Seguindo conselho médico, parte em viagem para o Oriente em outubro de 1849, onde pretende ficar por dois anos. Mas meses depois está de volta.

Antes de viajar, começara a redação de As Tentações de Santo Antônio, obra inspirada num quadro do pintor flamengo Bruegel, o amigo Du Camp não aprova a peça. Decepcionado, pois esperava uma reação mais entusiasmada, abandona a obra, para retomá-la apenas em 1869.

Aos trinta anos, o romancista pouco tem da beleza da juventude. A doença, o afã de escrever, a viagem ao Oriente e o desencanto amoroso aniquilaram-lhe a beleza. O rosto agora está sulcado de veias vermelhas. A boca oculta-se atrás de grossos bigodes. Os cabelos rareiam. Mesmo assim, Louise Coller ainda o procura. Entra, um dia, abruptamente, em sua casa de Croisset em busca do antigo calor e do casamento. Flaubert, irritado e impaciente, expulsa-a sem rodeios. Logo após, no entanto, reata com ela uma longa correspondência. Nela, muitos de seus planos e idéias ficam registrados para sempre.

Em junho de 1951, após longo período de inatividade, Flaubert inicia a composição da mais famosa de suas obras: Madame Bovary, que o tornará em pouco tempo um dos mais célebres romancistas da França. São cinco anos de trabalho, e finalmente Madame Bovary começa a ser publicada na Revue de Paris a partir de outubro de 1856, porém com cortes das cenas mais picantes. Alguns meses mais tarde, ainda que sem as cenas que certamente provocariam a cólera das autoridades, a cencura decide suspender a publicação de Madame Bovary e processar o autor. A justificativa oficial é a "imoralidade" da obra. A verdade, porém, é que o romance ataca a moral burguesa, posta a nu em sua fragilidade, convencionalismo e falsidade, através da caracterização da vida monótona e sem atrativos da província.

Flaubert tenta abafar o processo, recorrendo a amigos influentes. Em vão! Em janeiro de 1857, aos 36 anos, senta-se no banco dos réus. Oito dias depois, porém, é absolvido, e o livro, editado na íntegra, esgota-se em pouco tempo.

Muitos querem saber em quem Flaubert se inspirou para compor Ema Bovary. Diante da insistência de todos, declara: "Madame Bovary sou eu". A frase, encarada como gracejo na época, encerra muita verdade. Como Ema, Flaubert provoca fugir à mesquinhez cotidiana e sonhava com amores irreais, ansiando por uma existência mais plena.

Com o passar dos dias a fama acaba por cansar Flaubert. E ele volta a Croisset em 1857 para trabalhar em Os Mercenários. Concluída a obra, viaja para o Oriente. Começa a escrever - e publicar em capítulos - aidna nesse ano a obra Salammbô, que não é sucesso nem de crítica nem de público. Como que para esquecer o fracasso de Salammbô, reescreve A Educação Sentimental.

Corre o ano de 1870. A França sofre a invasão prussiana. Eclode a guerra entre França e Alemanha. A queda da pátria representa, para Flaubert, apesar do seu indiferentismo político, "a chegada do fim do mundo". O escritor volta a padecer dos ataques epiléticos da juventude. O pai já não está presente para tratá-lo com sangrias e dietas. O amigo Bouilhet morrera, assim como a mãe de Gustave. Elisa Schlesinger, viúva, encontra-se recolhida a um asilo de loucos. Flaubert só tem a companhia da sobrinha, e, em visitas breves, a do romancista Émile Zola,  do jovem contista Guy de Maupassant e do escritor russo Ivan Turgueniev.

A vida, que para ele nunca tivera atrativos, é agora um tédio infinito. A única distração ainda é escrever. Aos 55 anos, Flaubert elabora um conto que é uma obra-prima: Um Coração Simples. A morte de Louise Coller o deixa mais só. Começa a escrever Bouvard et Pécuchet, mas não consegue concluí-lo. Padece de terríveis sofrimentos físicos. A mão não tem mais firmeza. A palavra certa não lhe ocorre mais. Finalmente, um ataque de apoplexia dá-lhe o golpe mortal. O tédio dissolve-se, a vida pára. Num dia de primavera de 1880, o romântico mestre de Realismo francês resolve suas inquietações. Mas não lhe havia sobrado tempo necessário para cumprir a promessa que fizera a um amigo: "Um dia, antes de morrer, resumirei minha vida, tentarei contar-me a mim mesmo".



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