sábado, 21 de janeiro de 2012

avante, soldados: para trás - deonísio da silva

avante, soldados: para trás -
deonísio da silva
São Paulo: Leya,
2010, 168p.
"O romance consegue recontar os pequenos grandes dramas do viver cotidiano, criando personagens complexos e contraditórios, através dos quais consegue enfatizar o absurdo desta e de toda guerra" - José Saramago.

Continuo com a prosa de Deonísio da Silva no livro Avante soldados: para trás. A curiosidade de ler um romance de Deonísio me fez interromper a leitura do livro A sombra do vento e adentrar nas letras do autor, que flui facilmente. O tema do romance que era para ser de difícil acesso é colocado levemente, apesar das descrições presentes dos horrores da guerra, mais especificamente a Guerra do Paraguai - a retirada da Laguna, um dos episódios mais dramáticos da história brasileira, relatado neste livro, vencedor do Prêmio Inernacional Casa de las Américas.
A fome, as táticas de guerrilha da cavalaria inimiga e os efeitos devastadores do cólera são vivamente traçados neste romance que por vezes tem certa ironia nos seus relatos. O autor entremeia com personagens hilários as histórias que remontam além do campo de batalha onde é desvendado um Brasil do século XIX, primitivo e rude, onde as relações sociais, econômicas e culturais são detalhadamente descortinadas.

"Cronistas e historiadores de encomenda não foram senão os escribas dos regimes de dominação cuja imagem ideológica, aliás, lhes cabia construir, mascarando-a na exlatação cívica. A revolução a realidade ou a sua impugnação dá-se, então, pela literatura. Por isso, a verdadeira identidade das nações latino-americanas deve ser mais facilmente encontrada nos personagens fictícios dos narradores que nos docmentos historicametne maliciosamente distorcidos." anuncia o prefácio de Flávio Loureiro Chaves, professor da UFRGS, um dos melhroes intérpretes da literatura brasileira.

O autor cumpriu seu papel recriando, sem maniqueísmos ou ranços nacionalistas, os horrores da guerra: a presença silenciosa do inimigo, os ataques de surpresa, as torturas físicas e psíquicas de um exército despreprado, os gestos de loucura e a permanente tensão. Tudo isto através de uma linguagem que os olhos correm rapidamente através das páginas chegando ao término do livro com a sensação de quem estava a ouvir uma história relatada em um fim de tarde, à beira de uma sombra. O sentido da vida, através do relato dos soldados quase filósofos, seres que não abdicam de sua humanidade, seja romântico, corajoso, ético, lírico, cético, simples, enfim, uma série de caraterísticas afloradas em seus personagens: o coronel Camisão, Agripino, o cabo Argemiro, Mercedes, o paraguaio, a professora Lili e Yolanda, personagens cativantes, ternos, inspiradores.

"- As cabeças são dos nosso - explica o chefe do pelotão interceprado -, as xongas são do inimigo.
Respira um pouco e completa:
- Braços e pernas não fui eu quem quis trazer. Não pude impedir alguns excessos dos meus homens, e eles esquartejaram algumas residentas, essas mulheres que acompanham os soldados paraguaios. Estruparam as pobres próximas antes. Também isso não pude impedir.
O comandante dá um berro no meio da noite:
- Mas para que um espetáculo desses?
- Ainda não terminou - diz o cabo Argemiro.
Com efeito, chega outro soldado com mais um saco muito sujo de sangue. Há movimentos dentro dele. O coronel Camisão, um pouco perplexo, interrompe sua fala exasperada e seus conselhos e admoestações sobre "a arte de bem guerrear, sem exageros" e aguarda a surpresa. O soldado levanta a volsa à altura dos ombros e despeja uma porção de sapos que, ainda mais espantados que os militares ali reunidos, saem pulando em todas as direções. Os soldados, assustados, começam a atirar nos sapos. Outros disparam a si mesmos, fugindo apavorados. Está desfeita a preleção, desmanchada a avaliação do ataque, instalada a anarquia geral, ainda que momentânea.
Logo estão todos reunidos outra vez. Riem. Uns debocham dos outros, proclamam o medo alheio. Em meio ao burburinho geral, o comandante quer saber de quem foi a "ideia malsã" de trazer as cabeças dos nosso e não as dos inimigos. Entreolham-se todos. Há um tom de vacilação na autoridade do coronel em muitos dos olhares. O subcomandante Juvêncio dá um passo à frente, pigarreia e explica:
- Foi uma forma que encontrei de verificar quem morreu de fato, para saber ao certo quem desertou."

Bom livro, não somente aos que se interessam por história, mas aos que gostam de uma boa prosa.

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