Leonardo Padura |
O sonho virou pesadelo assim é o título da matéria "Na Estante" , por Fernanda Pompermayer (fernanda@cidadenova.org.br), na edição Cidade Nova, Março 2015, n. 3, que faz análise da obra literária O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura, Editora Boitempo, São Paulo, 2013, 592 páginas. Vejamos:
A história de Leon Trostky, um dos pioneiros do socialismo soviético, inspirou várias biografias, filmes e outros relatos. O que o cubano Leonardo Padura fez em O homem que amava os cachorros foi escrever uma obra completa, muito interessante, no típico estilo romance histórico. São quase 600 páginas bem recheadas, que assustam os pouco inclinados a grandes empreitadas literárias e são a delícia dos leitores contumazes.
Até a página 200, mais ou menos, a história parece não decolar e o livro "não pega". Mas a perseverança e a teimosia do leitor são largamente premiadas com o que se desenrola daí para a frente, com os personagens bem situados, a trama engatilhada. E, mesmo sabendo o desfecho do livro, por ser um fato histórico, não dá mais para largá-lo.
O livro reconstrói a trajetória de Trotski, desde a expulsão da União Soviética por ordem de Stalin, a sua peregrinação de exilado, até sua última etapa, o México.
Paralelamente, o percurso do seu algoz, o catalão Ramón Mercader, passa pelos frontes da Guerra Civil Espanhola onde lutou, até os campos de treinamento da elite militar soviética, que o transformaram em "uma máquina obediente e impiedosa".
Talvez a grandeza maior deste livro esteja no incentivo à reflexão. Ela nos mostra um Trotski inconformado com o cerceamento de sua liberdade. Um idealista convencido de que ainda tem um pape a desempenhar no palco da história mundial. Portanto, um homem obstinado, que escreve, tenta incitar um rearranjo revolucionário paralelo ao que se instalou na Rússia, servindo-se dos ânimos inflamados que percorrem a Europa.
E em todo esse tempo de amarguras e desilusões, poucos consolos e constantes traições, Trotski pensa. Pensa no que fez, no que deixou de fazer, no que deveria ter feito, no que estão fazendo em nome da "sua" revolução.
"Com a esperança de que ainda fosse possível salvar a revolução, ele [Trotski] tentava desligar o marxismo da deformação stalinista (...) " E questiona: "O que restaria da experiência mais generosa jamais sonhada pelo homem? Nada. Ou restaria, para o futuro, a marca de um egoísmo que tinha usado e enganado a classe trabalhadora mundial permaneceria a lembrança da ditadura mais férrea e desprezível que o delírio humano poderia conceber. A União Soviética legaria ao futuro o seu fracasso e o medo de muitas gerações à procura de um sonho de igualdade que, na vida real, se transformara no pesadelo da maioria" (p. 213).
As dúvidas o atormentam: "A teoria marxista, que ele e Lenin utilizavam para validar todas as suas decisões, nunca considerara a circunstância de os comunistas, uma vez no poder, perderem o apoio dos trabalhadores. Pela primeira vez desde o triunfo de Outubro deveriam ter se interrogado (...) se era justo instaurar o socialismo contra ou à margem da vontade majoritária. A ditadura do proletariado deveria eliminar as classes trabalhadoras, mas deveria reprimir também os trabalhadores? A alternativa teria sido dramática e maniqueísta: não era possível permitir a expressão da vontade popular, porque esta poderia reverter o próprio processo. Mas a abolição dessa vontade privava o governo bolchevique da sua legitimidade essencial: chegado o momento em que as massas deixaram de acreditar, impôs-se a necessidade de fazê-las acreditar pela força. E aplicaram a força. A Revolução tinha começado a devorar os próprios filhos, e a ele coubera a triste honra de dar a ordem que abrira o banquete" (p.83).
Prezada Lígia,
ResponderExcluirTê-la como minha Seguidora é, sinceramente, uma verdadeira honra.
Aproveito o ensejo para parabenizá-la pelos belos escritos.
Abraços,
Salatiel,
ResponderExcluirObrigada pela visita e comentário.
Saudações cordiais.
Lígia Guedes.