terça-feira, 2 de novembro de 2010

Lygia Fagundes Telles - Cadernos de Literatura Brasileira

"Na verdade eu aprendi a escrever muito mais tarde do que a maioria das crianças. Nós vivíamos mudando de cidade, por força do trabalho do meu pai, de maneira que eu não parava nas escolas. De certo modo, minha ignorância era legitimada pela situação: filha de delegado, de promotor, podia estar atrasada. Minha mãe achava eu eu era retardada. Até mesmo falar eu aprendi tarde; meu avô chegou a pensar que eu fosse muda: eu só pedia as coisas através de gestos..."

(Lygia Fagundes Telles)


Pesquisei Mário Quintana na rede e eis que surge Lygia Fagundes Telles. Nada ocorre ao acaso. Acabei por adquirir os "Cadernos de Literatura Brasileira", tendo como artista principal esta maravilhosa escritora que tão pouco conheço.

O livro de estréia Porão e Sobrados (1938) apesar da autora não o considerar quando aferida sobre sua primeria obra, talvez pelo nível das tramas ou técnica, bem norteia toda a produção futura de Lygia. É só conferir o prefácio de Lygia: "E aquelas minhas aspirações [literárias] complicadas foram-se reduzindo. De tudo, só restou um punhado de vidas que resolvi alojar no "Porão". Mas entre essa gente pobre, vieram alguns burgueses. E precisei construir um "Sobrado". Carinhosamente o[s] recebo nesta minha primeira obra, na qual tudo pode faltar, menos uma cousa: a sinceridade", escreveu. Assim inicia a obra de Lygia Fagundes Telles, um livro de contos, hoje esquecido.

Em entrevista a "Cadernos de Literatura Brasileira", referente a estréia cedo na literatura, Lygia responde:

"Eu sempre digo que comecei a escrever antes de saber escrever. Não é charminho de escritor, não. Falo assim porque antes de ser alfabetizada eu já contava histórias. Eram histórias que eu ouvia das minhas pajens. Essas pajens eram moças desgarradas que minha mãe arrebatava. Eu gostava disso, uma coisa meio medieval, de princesa, ter pajem. Pois bem: eu comecei contando para as outras ciranças as histórias que ouvia das pajens. Mas sempre mudava um pouco o que tinha escutado e, quando repetia, muddava de novo. A garotada protestava: "Não era assim! A caveira tinha outro nome!" (caveira porque eu contava sempre histórias de terror). Quando eu formalmente aprendi a escrever, achei que era importante "guardar" as histórias e aí passei a anotar tudo num caderno."

Ainda: "Comecei a escrever os contos que depois reuniria em Porão e Sobrado". Num determinado momento, eu me dei conta de que as pessoas que escreviam tinham livros publicados - e  eu quis ter o meu."

Sobre romance: "É curioso. Quando estou escrevendo um romance, eu tenho a impressão de que nunca fiz outra coisa na vida. Eu fico tão apaixonada pelo gênero que chego a achar que nunca mais vou escrever um conto. Os personagens de um romance exigem muito. A certa altura, eu chego a confundi-los com seres da vida real. Nesse ponto, eu e as personagens já formamos uma só matéria. Isso continua a ser um mistério para mim. Quando terminei As meninas, comecei a chorar - é que tinha acabado ali uma convivência encantadora, que me fazia feliz. Ao terminar o livro, me senti solitária.

E conto: "Eu percebo que está começando a nascer um conto quando, ao analisar as personagens, vejo que elas são, de certo modo, limitadas. Elas tem que viver aquele instante com toda a força e a vitalidade que eu puder dar, porque nenhuma delas vai durar. Isso quer dizer que, com elas, eu preciso seduzir o leitor num tempo mínimo. Eu não vou ter a noite inteira para isso, com uísque, caviar, entende? Preciso ser rápida, infalível. O conto é, portanto, um aforma arrebatadora de sedução. É como um condenado à morte, que precisa aproveitar a última refeição, a última música, o último desejo, o último tudo."
Perguntada sobre seu espelho literário, responde: Edgar Allan Poe, James Joyce, Oscar Wilde, Henry James, D. H. Lawrence, Jorge Luis Borges, William Faulkner, e, claro, Machado de Assis.

Resumir Lygia, tarefa inglória, entretanto,  uma vida de disciplina sem regras fixas, de amor à vida e à literatura, quando se faz da literatura "uma forma de amor".
O Menino e o Velho
Quando entrei no pequeno restaurante da praia, os dois já estavam sentados, o velho e o menino. A manhã tão luminosa. Fiquei olhando o mar que não via há algum tempo, e era o mesmo mar de antes, um mar que se repetia e era irrepetível, misterioso e sem mistério na inocência da sua natureza mais profunda, estourando naquelas espumas flutuantes (bom-dia, Castro Alves!), tão efêmeras e eternas, nascendo e morrendo ali na areia. O garçom, um simpático alemão corado, me reconheceu logo, Franz?, eu perguntei. Ele fez uma continência, baixou a bandeja e deixou na minha frente o copo de chope. Pedi um sanduíche, Pão preto?, ele lembrou e foi até á mesa do velho que pediu outra garrafa de água Vichy. Fixei o olhar na mesa ocupada pelos dois, agora o velho dizia alguma coisa que fez o menino rir, um avô com o neto. E não era um avô com o neto, tão nítidas as tais diferenças de classe, o contraste entre o velho, vestido com simplicidade, mas num estilo rebuscado e o menino encardido, um moleque do povo e de alguma escola pobre, a mochila de livros toda esbagaçada no espaldar da cadeira.
(...)

4 comentários:

  1. Vim agradecer a sua visita ao meu humilde Balaio
    e aproveitar para conhecer o seu Blog, confesso que estou adorando.
    bjs
    Zêh

    ResponderExcluir
  2. Rodrigo Passos,
    Obrigada pela visita e comentário e seja bem-vindo neste espaço.
    Estive visitando teu belíssimo blog.
    Boa semana!

    ResponderExcluir
  3. Balaio de Poesia,

    Agradeço a presença amiga.
    Confesso que iniciei este blog com a intenção de ser um espaço somente de poesia pois acredito que a poesia preenche absolutamente.
    Singta-se em casa através da poesia.
    Beijos.

    ResponderExcluir

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails