domingo, 30 de maio de 2010

Carlos Drummond de Andrade / Antologia Poética / José


E agora José?
A festa acabou,
A luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, José?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...

Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

Ilustração: Autocaricatura

Concepção de capa: Pedro Augusto Graña Drummond
Projeto gráfico: Regina Ferraz

Editora Record Ltda.

Pedidos pelo reembolso postal:
Cx. Postal 23,052
Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Imagem: Farol - Macaé - RJ - Brasil


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2 comentários:

  1. Sou suspeito para falar de Drummond, mas ele é o melhor!!

    Tenha uma ótima semana.

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  2. Poeta Mauro Rocha,

    Feliz por ver refletido o melhor de Drummond!

    Agradeço a presença.

    ResponderExcluir

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