sábado, 15 de setembro de 2018

Francisco de Oliveira Carvalho



Francisco de Oliveira Carvalho

O rio de meus avós já não passa pela aldeia dos meninos.


De sua terra natal, Francisco Carvalho recorda as tardes poeirentas do verão, os doidos de rua, as procissões das sextas-feiras santas, os sinos da matriz dobrando pelos mortos de malária, transportados em redes para o cemitério. Em vários de seus poemas existem vestígios desta época, para sempre impresso na sua alma.


Viveu uma adolescência povoada de vozes poéticas: Castro Alves, Álvares de Azevedo, Cruz e Souza, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac. Com 19 anos, emigrou para Fortaleza, onde morava numa pensão e trabalhava no comércio. Atualmente, Francisco Carvalho é funcionário da Universidade Federal do Ceará e membro da Academia Cearense de Letras.

Seus primeiros poemas foram publicados em jornais locais, como o Unitário, O Nordeste e O Povo. O livro de estréia, Cristal de memórias, de 1955, deu início a uma longa trajetória, na qual Francisco Carvalho descobriu que "a humildade é a porta de outo por onde se chega à ante-sala da Poesia".

Em 1982, com o livro Quadrante solar, ganhou o prêmio de poesia da Bienal Nestlé. Recebeu também o da Biblioteca Nacional de 1997, com Girassóis de barro. Sua poética tem nítido parentesco com a Geração de 45, na técnica esmerada, no verso livre buscando a densidade formal. Segundo Assis Brasil, "Francisco Carvalho produz a sua poesia, no fundo, sem se preocupar muito com os enquadramentos estéticos, ou as situações históricas relacionadas com o verso. Sonetos, decassílabos, rimas ortodoxas ou irregulares, o sabor das trovas populares, os hexassílabos, sem dúvida trata-se de uma poesia plural, que parece ser uma tendência do poeta maduro e consciente de seu trabalho".

Francisco Carvalho reconhece três fases em sua obra: aprendizagem, de 1955 a 1966, com a transição das formas arcaicas para o verso moderno; a busca da individualidade literária, até 1979; e a maturidade, que se inicia na década de 80, revelando o poeta mais completo, em textos consistentes e com pleno equilíbrio de conteúdo e forma, onde a poesia é uma sistematização de códigos e a transformação da "linguagem verbal em objeto estético". A professora da USP Nelly Novaes Coelho ressalta que, em seus versos, há "um certo ritmo oracular, que aprofunda a grandeza da linguagem, lembrando ora a inspiração bíblica dos salmos, ora o húmus do epigrama (em que o poeta é mestre)".



"Inspiração é palavra proibida no dicionário poético da atualidade. Melhor seria, talvez, dizer que existe um momento propício para a poesia. O sujeito não deve colocar-se diante do papel à espera de que o poema lhe caia do céu, pronto e acabado. Isso é uma falácia. Tem-se vontade de escrever um poema da mesma forma que se tem vontade de fazer amor. (...) O poeta constrói o poema, a emoção desenha o ritmo."
Francisco Carvalho



ARQUIVO MORTO

Sou o passado e o presente
sou também o futuro.
Os dias que se vão desfolhando
em plumagem dourada.

Sou a sombra da árvore onde
as feras repousam.
O rastro que os ventos apagaram
mas continua palpitando
nas artérias da luz.

Sou o passado submerso na pele.
A porta do futuro que
se abre aos fantasmas expulsos
de suas tumbas demolidas.
Sou o futuro e sua nau
de fogo boiando nas águas do dilúvio.

Estarei convosco quando o futuro
chegar com a sua túnica
de profeta indignado. E quando
suas palavras forem mais
terríveis do que um punhal cravado
no peito do inimigo.


"Antes de mais nada, cumpre sublinhar o que há de rigor, ostinato rigor, na poesia de Francisco Carvalho, na qual impera, soberana, a grave e harmoniosa comunhão entre forma e fundo, entre o que e o como da expressão poética."
Ivan Junqueira


Obras do autor

POESIA: Cristal da memória, 1955; Canção atrás da esfinge, 1956; Do girassol e da nuvem, 1960; Memorial de Orfeu, 1969; Os mortos azuis, 1971; Pastoral dos dias maduros, 1977; Rosa dos eventos, 1983; As visões do corpo, 1984; Barca dos sentidos, 1989; O Tecedor e sua trama, 1992; Girassóis de barro, 1997; Romance da nuvem pássaro, 1998; A concha e o rumor, 2000.




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