quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ernest Hemingway - Contos - volume 3

Ernest Hemingway -
Contos



Hemingway, Ernest, 1899-1961. Contos de Ernest Hermingway / tradução de José J. Veiga. - 2a. ed. - Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2006. - 416p. - (Obra completa, v.3)

"Se eu ia embora queria guardar tudo na memória e me despedir. O fogão era enferrujado e a tampa do reservatório de água quente estava quebrada. Acima do fogão tinha um limpador de pratos com cabo de madeira pendurado na beira de uma prateleira. Meu pai uma noite jogou esse limpador de pratos num morcego. O impador ficou pendurado ali para meu pai se lembrar de comprar outro, e acho que também para se lembrar do morcego. Peguei o morcego com uma rede de cabo comprido e pendi-o numa caixa com tampa de tela. Tinha olhos pequeninos e dentes também pequeninos, e ficava encolhido na caixa. Soltamos ele na praia do lago no escuro; ele voou por cima do lago elegantemente à flor da água, depois subiu, virou e voou por cima de nós e finalmente sumiu entre as árvores no escuro. Na cozinha havia duas mesas: uma, em que comíamos, e a outra, em que preparávamos a comida. As duas eram forradas com oleado. Tinha um balde de granito para tirar água do poço. Na porta da despensa tinha um rolo para toalha e forros de mesa numa prateleira acima da estufa. No canto ficava a vassoura. A caixa de lenha estava pela metade e as panelas ficavam penduradas na parede.
Passei os olhos por toda a cozinha para guardá-la na memória porque gostava muito dela.
- Então - disse meu pai. - Acha que vai poder se lembrar dela?
- Acho que sim.
- E vai lembrar o quê?
- Todas as nossas brincadeiras.
- Não só de abastecer a caixa de lenha e puxar água?
- Não foi trabalho pesado.
- Não. Não é pesado. Não tem pena de ir?
- Não se for para o Canadá.
- Não vamos nos estabelecer lá.
- mas vamos ficar um pouco.
- Não muito.
- E de lá vamos para onde?
- Veremos depois.
- Pouco me importa para onde iremos.
- Continue assim - disse meu pai. Acendeu um cigarro e ofereceu-me o maço. - Você fuma?
- Não.
- Ótimo. Agora você vai lá fora, sobe ao telhado e põe o balde na chaminé. Eu fecho a casa."

Ernest Hemingway nasceu em Oak Park, Illinois, em 1899, e começou sua carreira de escritor no The Kansas City Star, em 1917. Em 1921 mudou-se para Paris, onde se juntou a um grupo formado por Gertrude Stein, F. Scott Fitzgerard, Ezra Pound e Ford Madox Ford. Seu primeiro livro foi Três Histórias e Dez Poemas, publicado em Paris em 1923.

Um livro de contos é uma excelente oportunidade de se desvendar um autor e quando se trata de Ernest Hemingway, quem sabe um mito. A reedição de sua obra, Contos revela ao leitor brasileiro os efeitos de estilo muitas vezes com uma linguagem desadjetivada, desmetaforizada e fluente, muitas vezes com crueza na descrição de cenas de mutilação e morte, causando um efeito impressionante onde conflitos e dramas são submetidos a análise do atento leitor de seus escritos . O tema morte sempre esteve presente na obra do autor que muitas vezes utiliza a linguagem jornalística causando impacto na narrativa aos desavisados leitores.Luiz Antônio Aguiar lembra em prefácio de Contos - Vol. 3 que tão poucos terão sido em grau tão extremado vítimas de estereótipo como o autor. Fascínio exercido no leitor no momento de extrema popularidade do autor... suposições.

Certo somente que valores como fragilidade, perplexidade e angústia da perspectiva de morte aleatória e frequentemente desnecessária, quando na guerra, em meio ao morticínio, os combatentes perdem contato com "os ideais e os objetivos políticos". Valores questionados por aquele que conviveu em muitas guerras, a Primeira e a Segunda, com a Guerra Civil Espanhola, além de correr o mundo inteiro, buscando a violência das touradas espanholas, das caçadas na África e das lutas de boxe do submundo americano. Equívoco puro.  Ler alguns de seus contos inéditos apresentados nesta edição e conhecer o autor da obra O Velho e o Mar, agraciada com o Pulitzer e em 1954 recebeu o Nobel de literatura pelo conjunto de sua obra é adentrar em sensível e prazerosa narrativa.

5 comentários:

  1. Acho que todo autor gostaria de ter escrito um livro como O Velho e o Mar.

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  2. Kovacs, acho que todo leitor merecia ler um livro como "O Velho e o Mar".
    Beijo.

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  3. Cheguei a me emocionar com esse conto, até por saber quão intensa e dolorida foi a perda do pai para Hemingway - e que posteriormente veio a atormentá-lo até seu suicídio. Acabei de ler "O velho e o mar" e encontro-me ainda extasiada. Acho que quero sonhar com os leões nesta noite!

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  4. Iluminatte,
    Excelente livro!
    Obrigada pela visita.

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